SENSIBILIDADES DIGESTIVAS TÊM SIDO UM ATENDIMENTO COMUM NA ROTINA CLÍNICA

ELAS PODEM CAUSAR DOR SIGNIFICATIVA E, EM CASOS GRAVES, RESULTAR EM COMPLICAÇÕES SÉRIAS

Foto: patrisyu/iStockphoto

Por: Samia Malas

Uma pesquisa global realizada pela Royal Canin em 2020 com mais de 2 mil cães, identificou que um a cada três cães têm algum tipo de sensibilidade, seja digestiva, cutânea (como coceiras e irritações) ou relacionada ao peso. Segundo os dados revelados pela empresa, 12% têm sensibilidades digestivas, 45% vivem em áreas urbanas em contato com diversas fontes de estresse e 17% apresentam sensibilidades na pele. “Entre as sensibilidades alimentares mais comuns em cães, podemos mencionar a hipersensibilidade (ou alergia) alimentar, a dermatite atópica induzida por alimentos e doenças gastrointestinais crônicas responsivas à dieta”, aponta Rafael Vessecchi Amorim Zafalon, médico-veterinário mestre em Nutrição e Produção Animal com ênfase em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos pela USP. Ainda segundo ele, os fatores de risco da sensibilidade alimentar ainda são pouco compreendidos, mas algumas das causas mais comuns são predisposição genética, consumo de proteínas pouco digeríveis, presença prévia de qualquer doença que aumente a permeabilidade da mucosa intestinal e doenças alérgicas.
Letícia Tortola, mestre em Nutrição de Cães e Gatos, acrescenta que gatos também estão predispostos a desenvolver diversos tipos de sensibilidades, sendo que a digestiva vem sendo bastante comum. “Gatos que possuem sensibilidade digestiva, quando agravada, pode causar problemas gastrointestinais recorrentes, resultando em desconforto e má absorção de nutrientes essenciais. As bolas de pelo também podem causar incomodo e até mesmo constipações e obstruções intestinais”, alerta Letícia.
Segundo Gustavo Quirino, médico-veterinário com experiência desde a graduação em práticas de ensino e nutrição de cães e gatos, as sensibilidades alimentares fazem parte das reações adversas aos alimentos (RAA), termo que engloba qualquer resposta clínica anormal ou exagerada relacionada à ingestão de alimentos. “A RAA pode ter origem não alérgica, como no caso das intoxicações e intolerâncias alimentares, ou alérgica (imunomediado), como é o caso da hipersensibilidade alimentar, que se destaca por ser considerada a terceira dermatopatia alérgica mais frequente em cães”, acrescenta. Ainda segundo ele, o mecanismo que leva ao desenvolvimento da hipersensibilidade alimentar em cães é bastante complexo e ainda não é totalmente compreendido. “Contudo, sabe-se que a origem da hipersensibilidade alimentar está na produção de anticorpos que identificam como ameaça nutrientes do alimento. O peso molecular para desencadear esse processo é de 10 kDa a 60 kDa, portanto, apenas as proteínas presentes no alimento apresentam peso molecular suficiente para serem reconhecidas como antígenos”, explica.

SINTOMAS
Gustavo aponta que, na hipersensibilidade alimentar, cada animal pode responder de uma forma diferente. “De modo geral, é normal ocorrerem sinais clínicos associados à pele (forma cutânea), sob forma de vômitos ou diarreia (gastrointestinal) ou por uma associação dessas duas formas (cutânea e gastrointestinal). Um dos sinais clínicos mais evidentes e que chama bastante atenção é a coceira (prurido) intensa, que pode ser generalizada ou localizada em algumas regiões, como patas, rosto, abdome e ouvidos. Um ponto muito importante é que a coceira ocorre ao longo do ano todo, independentemente da estação”, diz Gustavo, que continua: “outros sinais clínicos podem estar presentes e podem auxiliar na identificação da hipersensibilidade alimentar, como perda de pelo levando ao aparecimento de falhas (alopecia), vermelhidão na pele (eritema),inflamações no ouvido (otites) recorrentes. Além disso, cerca de 10% a 15% dos casos de hipersensibilidade alimentar também podem apresentar vômito ou diarreia, podendo estar associados ou não aos sinais clínicos cutâneos”.
Rafael também diz que o tutor pode observar sinais clínicos como coceiras e lesões na pele, no caso de dermatite atópica e hipersensibilidade alimentar, e diarreia, no caso de hipersensibilidade alimentar e enteropatia crônica responsiva à dieta. “Porém, vale ressaltar que esses sinais clínicos não são exclusivos dessas doenças, portanto o animal precisa ser avaliado pelo médico-veterinário para que se tenha um diagnóstico correto”, alerta.
Lara Mantovani Volpe, mestre em Clínica Médica com ênfase em Nutrição de Cães e Gatos, estima-se que cerca de 1% a 6% dos casos de doenças de pele em gatos seja decorrente da hipersensibilidade alimentar. “De modo geral, é normal ocorrer sinais clínicos associados à pele (forma cutânea), sob forma de vômitos ou diarreia (gastrointestinal) ou por uma associação dessas duas formas (cutânea e gastrointestinal). Um dos sinais clínicos mais evidentes e que chama bastante atenção na hipersensibilidade alimentar em gatos é a coceira (prurido) intensa, que pode ser generalizada ou localizada em algumas regiões, principalmente na face e no pescoço”, revela a médica-veterinária, que ainda continua: “nos casos em que o prurido é intenso, é normal observar o aumento do hábito de lambedura, o que pode levar a queda de pelo, vermelhidão e até lesões mais graves na pele. Além disso, cerca de 10% a 15% dos casos de hipersensibilidade alimentar também podem apresentar vômito ou diarreia, podendo estar associados ou não aos sinais clínicos cutâneos”.

PREVENÇÃO E TRATAMENTO
Gustavo destaca que ainda não se sabe ao certo quais fatores podem contribuir para que o sistema imunológico comece a reconhecer nutrientes como antígenos alimentares. Portanto, não há uma forma de prevenção definida para a hipersensibilidade alimentar nos cães. “Não existe cura para a hipersensibilidade alimentarem cães, porém, com o tratamento adequado, é possível controlar os sinais clínicos e promover qualidade de vida ao animal. O conceito do tratamento é relativamente simples: não expor o animal ao antígeno alimentar ao qual é sensibilizado. Para isso, é imprescindível que o cão seja alimentado exclusivamente com um alimento coadjuvante hipoalergênico”, afirma, ao explicar que a característica central em uma dieta hipoalergênica é ter um baixo potencial alergênico, por meio de uma formulação contendo uma única fonte de proteína (inédita ou hidrolisada) e uma única fonte de carboidrato, de preferência ao qual o animal nunca tenha sido exposto.
“A preferência nas dietas para hipersensibilidade alimentar tem sido o uso de fontes de proteína hidrolisada, as quais, por terem passado por um processo de hidrólise enzimática e possuírem baixo peso molecular, não são reconhecidas pelo sistema imunológico e não apresentam a capacidade de se ligarem a duas ou mais imunoglobulinas, não precipitando a reação alérgica. Esta é uma grande vantagem da proteína hidrolisada com relação ao uso da proteína inédita, já que muitos tutores podem não ter certeza sobre com quais tipos de proteína o cão já teve contato ao longo da vida”, diz Gustavo.
Rafael concorda e diz que não há métodos eficazes de prevenção às reações adversas a alimentos. “Em relação às reações mencionadas, existem basicamente duas opções de manejo alimentar, ambas relacionadas à proteína da dieta, uma vez que este nutriente é o principal antígeno alimentar responsável pelo desencadeamento dessas reações. Uma opção é fornecer um alimento com uma fonte de proteína única e pouco usual, que o animal não tenha consumido previamente, uma vez que só existe reação alérgica a algo que se tenha contato prévio. Além disso, oferecer também fontes restritas de carboidrato (pois também apresentam uma pequena quantidade de proteína). Outra opção é a utilização de um alimento que contenha apenas fonte de proteína hidrolisada, pois esse processo quebra a molécula de proteína em peptídeos menores, reduzindo, portanto, o potencial alergênico”, lista o médico-veterinário.

Lara Mantovani Volpe, Médica-veterinária com residência em Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos, realizada sob orientação do professor Dr. Aulus Carciofi , pela UNESP/Jaboticabal (2018) e mestrado na área de Clínica Médica com ênfase em Nutrição de Cães e Gatos na mesma instituição (2020). Atualmente trabalha na Adimax como Analista Técnico Científico.

Letícia Tortola Médica-veterinária e Coordenadora de Comunicação Científica da Royal Canin Brasil. Atua na área Técnica há mais de 15 anos. Possui residência e mestrado em Nutrição de Cães e Gatos e MBA em Gestão de Projetos. Também é professora do módulo de ingredientes para a indústria pet food no curso de pós-graduação em Nutrição de Cães e Gatos da Anclivepa-SP

Rafael Vessecchi Amorim Zafalon Coordenador de Capacitação Técnico-Científica da PremieRpet. Médico-veterinário formado pelo Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP) e mestre em Nutrição e Produção Animal com ênfase em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP). Atualmente é aluno de doutorado em Nutrição e Produção Animal com ênfase em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos pela mesma instituição.

Gustavo Quirino Médico-veterinário pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP campus Botucatu e pós-graduado em Educomunicação pela Universidade Anhembi Morumbi. Com experiência desde a graduação em práticas de ensino e nutrição de cães e gatos, atua como analista de treinamento técnico na Adimax, ministrando treinamentos para equipes internas, médicos-veterinários, criadores e lojistas. Além disso, contribui significativamente para a produção e revisão de materiais e artigos técnico-comerciais destinados a diversos canais, como sites, revistas e outros meios de comunicação.