PRINCÍPIOS BÁSICOS DA VENTILAÇÃO MECÂNICA NA ANESTESIA EM CÃES – VENTILADORES, MODOS VENTILATÓRIOS, CURVAS E LOOPS

Foto: didesign021/iStock

Por: Anderson Eberhardt Assumpção e Wendel Dietze

RESUMO

Atualmente, o interesse pelo uso da ventilação mecânica (VM) durante a anestesia vem crescendo em todo país. A VM pode ser utilizada na anestesia de cães como método de suporte respiratório e tem como função prover ventilação e oxigenação adequadas. Também possui como objetivo minimizar as lesões da microestrutura pulmonar e reduzir potenciais complicações. Objetivou-se com este trabalho mostrar a diferença entre os principais  ventiladores veterinários bem como os princípios básicos da ventilação. Também mostrar seus principais modos ventilatórios e entender as curvas de fluxo, volume e pressão de acordo com o modo ventilatório escolhido e loops de pressão-volume e fluxo-volume mostrados pelos ventiladores mecânicos.

Palavras chaves: ventiladores mecânicos, anestesia, modos ventilatórios, gráficos ventilatórios.

ABSTRACT

Currently, interest in the use of mechanical ventilation (MV) during anesthesiais growing  cross the country. MV can be used in dog anesthesia as a method of respiratory support and its  functionis to provide adequate ventilation and oxygenation. It also aims to minimize injuries to the lung microstructure and reduce potential complications. The aim of this work was to show the difference between the main veterinary ventilators as well as the basic principles of ventilation. Also show its main ventilation modes and understand the fl ow, volume and ressure curves according to the chosen ventilation mode and pressure-volume and flow-volume loops shown by mechanical ventilators.

Key words: mechanical ventilation, anesthesia, ventilation modes, ventilation charts.

INTRODUÇÃO E  REVISÃO DE LITERATURA

A ventilação mecânica (VM) ou, o termo mais correto, o suporte ventilatório, consiste em um método de suporte para o tratamento e é indicada para pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada. Também em situações que envolvem depressão do centro respiratório no sistema nervoso central devido à administração de medicações realizadas em protocolos anestésicos como tranquilizantes, sedativos e anestésicos gerais intravenosos ou inalatórios.

Os principais objetivos do suporte ventilatório são: propiciar a adequada troca gasosa, reverter a hipoxemia e a acidose respiratória aguda, diminuir o desconforto respiratório, prevenir ou reverter a atelectasia, reverter a fadiga dos músculos respiratórios, permitir a sedação e/ou o bloqueio neuromuscular, diminuir o consumo sistêmico ou miocárdico de oxigênio e diminuir a pressão intracraniana.

O suporte ventilatório tem como princípio o uso de equipamento médico-hospitalar que permite prestar suporte parcial ou total na respiração do paciente. Dependendo do aparelho utilizado, eles podem ser configurados quanto ao modo ventilatório, limite de pressão inspiratória, volume corrente (VT), pressão expiratória final positiva (PEEP), relação inspiratória: expiratória (I:E), tempo de pausa inspiratória e frequência respiratória (FR) entre outras funções.

Além disso, os ventiladores podem insuflar de forma intermitente as vias respiratórias com volumes de gases ajustáveis que pode ser oxigênio nas frações de 21% a 100%. Deste modo, é possível controlar a concentração de oxigênio (FIO2) fornecida ao paciente que é necessária para se obter a taxa arterial de oxigênio (pressão parcial de oxigênio no sangue arterial- PaO2) adequada. Este mecanismo realizado pelo ventilador mecânico que gera o movimento de gases para o interior dos pulmões é devido à geração de gradiente pressórico exercido entre as vias aéreas superiores e o alvéolo (ventilação por pressão positiva).

O ajuste feito no ventilador do número de ciclos respiratórios que os pacientes devem realizar por minuto (FR) será consequência do tempo inspiratório (TI), que depende do fluxo, e do tempo expiratório (TE). Geralmente, os ventiladores mecânicos vêm configurado com relação I:E de 1:2, porém pode-se ajustar de acordo com a necessidade ou doença que o paciente  apresente. O TE pode ser definido pelo paciente (ventilação assistida), ou por meio de programação prévia do aparelho (ventilação controlada). O produto da FR pelo volume corrente é o volume minuto. Dessa forma, fica claro o que acontece quando fazemos ajustes no aparelho.

Como citado anteriormente, nestes equipamentos também é possível escolher os métodos de suporte ventilatórios. Os modos básicos mais praticados na rotina considerados convencionais, são os seguintes: ventilação controlada por volume (VCV); ventilação controlada por pressão (PCV); ventilação com pressão de suporte (PSV), ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV) e ventilação com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP). Os modos avançados de suporte ventilatório são: volume controlado com pressão regulada (PRVC), ventilação bifásica com pressão positiva (BIPAP), ventilação assistida proporcional (PAV) e ventilação de suporte adaptativo (ASV).

Como os modos PCV e o VCV são atualmente os mais utilizados na rotina anestésica, serão abordados aqui. No modo VCV, o ventilador irá fornecer um volume corrente fixo com padrão de fluxo constante ao paciente. Desta maneira, os níveis de pressão serão variáveis, pois dependerá da mecânica respiratória do animal anestesiado. No modo PCV, o ventilador irá fornecer um volume corrente (VT) e fluxo inspiratório de gás, variáveis de acordo com a mecânica dos pulmões e da parede torácica do paciente até alcançar o valor de pressão de pico inspiratória (PPI) estabelecido pelo anestesista. A Figura 1 mostra a diferença entre os modos ventilatórios PCV e VCV quanto às curvas de volume, fluxo e pressão.

Ao comparar os modos VCV versus PCV, nota-se que o formato da curva de fluxo inspiratório marca a diferença entre as duas formas de ventilação (Figura 1). No modo VCV, a curva possui morfologia retangular, devido a velocidade constante em que o volume é fornecido em razão do tempo. No modo PCV, a curva possui formato sigmoide porque o volume é fornecido rapidamente no início e depois a pressão no interior dos alvéolos se iguala a pressão no exterior, fazendo com que o fluxo retorne para o zero.

No PCV, um tempo inspiratório mínimo deve ser estabelecido para que o fluxo chegue sempre a zero e o volume corrente necessário seja fornecido. A expiração tanto no modo VCV quanto no PCV é sempre passiva e o formato da curva de fluxo respiratório depende da mecânica do pulmão. A persistência de fluxo intrapulmonar no final da expiração, que implica que o nível zero não seja alcançado antes da próxima inspiração, sugere uma PEEP intrínseca (auto PEEP) mostrado na Figura 2.


Figura 1: Ventilação mecânica nos modos VCV e PCV e características em modos controlados (primeiro ciclo) e assistidos (segundo ciclo). As medidas da pressão de platô e da driving pressure foram obtidas com uma pequena pausa no final
da inspiração em ambos os modos. Fonte: xlung.net
Figura 2: Persistência de fluxo intrapulmonar no final da expiração (auto PEEP)

No modo ventilatório VCV, o anestesista deve controlar os parâmetros de volume corrente (VT), a frequência respiratória (FR), a relação de tempo inspiratório: expiratório (I:E) e o tempo de pausa inspiratória que é dado em porcentagem.

No modo VCV, que utiliza taxa de fluxo inspiratório constante, pode-se observar três fases diferentes na curva de pressão durante a inspiração. A primeira refere-se à pressão de resistência (pressão que o ventilador tem que fazer para vencer e para que o ar chegue até os alvéolos). Esta fase é vista somente no modo VCV porque no modo PCV a pressão é escolhida pelo anestesista (VCV fornece mais informações).

Na segunda fase nota-se durante a inspiração um aumento mais suave, que representa a pressão da expansão dos alvéolos em resposta à retração elástica dos pulmões e da parede torácica. Já na terceira fase pode-se observar a queda abrupta da curva após um período curto de pausa inspiratória, necessária para que o gás seja redistribuído entre os alvéolos (Figura 3).

Figura 3. Pontos da curva de pressão no modo VCV. O ponto A – B refere-se à pressão de resistência da primeira fase da curva inspiratória. PEEP: pressão expiratória final positiva

Após estas três fases inspiratórias, a válvula expiratória abre-se, e permite a queda gradual da curva de pressão para valores próximos à linha de base no final da expiração. A linha para a qual a curva de pressão tem tendência a cair é o nível mínimo de pressão que fica no interior dos pulmões e pode ser ajustada no ventilador pelo anestesista. Este ajuste recebe o nome de PEEP (pressão expiratória final positiva) e tem como objetivo evitar a atelectasia pulmonar.

Portanto, ao longo do ciclo respiratório, existe um conjunto de conceitos necessários para reconhecer e interpretar de forma correta o comportamento do pulmão durante a utilização do ventilador anestésico. A pressão de pico (PPI) é a pressão gerada no pico da inspiração e é determinada pelo fluxo inspiratório e pela resistência das vias aéreas incluindo a sonda endotraqueal. A pressão de platô (Ppl) é a pressão gerada durante a pausa inspiratória para facilitar as trocas gasosas nos alvéolos. A Ppl é importante para determinar alterações pulmonares e, juntamente com a PEEP e o volume corrente, reflete a distensibilidade do pulmão denominada de complacência. A diferença entre a Pressão de Platô (Ppl) e a pressão positiva no final da expiração (PEEP) é chamada de driving pressure.

Além das curvas de volume, fluxo e pressão, alguns ventiladores fornecem gráficos de pressão-volume e fluxo-volume também chamados de loops. A Figura 4 mostra a relação entre volume pulmonar que se altera com determinada pressão, este fenômeno é chamado de complacência ou histerese pulmonar.

O ponto de inflexão inferior mostrado no gráfico é o ponto crítico de abertura dos alvéolos. Também denominado como o ponto no qual a resistência das vias aéreas é superada. Nesta zona menos complacente, pode ocorrer atelectrauma. Uma forma de evitar isto é através do uso de PEEP, para evitar o colapso alveolar. Em situações em que a resistência das vias aéreas é muito alta, esse ponto de inflexão é arrastado para a direita. O segmento intermediário (zona segura), pode ser considerado linear e é usado para medir a complacência entre o ponto de inflexão inferior e o ponto de inflexão superior.

O ponto de inflexão superior revela o momento em que o aumento da pressão das vias aéreas não aumenta mais o volume. Portanto, o momento de hiperdistensão alveolar que pode ocasionar barotrauma. Para evitar este tipo de injúria alveolar, é indicado reduzir a pressão inspiratória. Ainda na parte superior, a parte da curva em forma de bico, representa uma pressão desperdiçada, já que não há aumento de volume extra.

O loop de fluxo-volume, também chamado de espirometria é mostrado na (Figura 5). Neste gráfico, o fluxo inspiratório é representado acima do eixo horizontal e o expiratório abaixo, ainda que esta disposição possa variar dependendo do ventilador utilizado. Este loop pode ser útil para avaliar se há alterações na resistência das vias aéreas a partir de variações na forma do ramo expiratório do loop, pois é a que depende do paciente.

Figura 4. Loop pressão-volume em ventilação controlada por volume
Figura 5: Loop fluxo versus volume do modo controlado por volume (A) e diferentes alterações na sua morfologia: aumento de resistência (B), fuga de gás (C) e auto PEEP (D)

O aumento da resistência, como ocorre em pacientes com secreções respiratórias, provoca oscilações no ramo de fluxo expiratório (Figura 5B). Já a diminuição da resistência, como é observado quando há fuga de gás, pode ser reconhecida por um vazio entre o final do fluxo expiratório e o início do inspiratório, uma vez que o loop não se fecha devido à perda de volume durante a expiração (Figura 5C). E quando o gás não consegue ser completamente expirado e já ocorre um novo ciclo inspiratório por causa de um tempo expiratório muito curto ou devido a uma frequência respiratória muito alta, o ramo expiratório acaba batendo na linha do eixo de fluxo, e ocorre a chamada auto PEEP, na qual o paciente mantém um volume dento do pulmão (Figura 5D).

Atualmente, há diferentes tipos de ventiladores mecânicos específicos para a medicina veterinária e os valores para aquisição variam muito de acordo com as funções que cada um desempenha como os modos ventilatórios, curvas e gráficos. A Tabela 1 mostra apenas as principais características e funções de cada ventilador em relação ao modo ventilatório que podem executar formas de acionamento (assistido/controlado), variação da pressão final expiratória positiva (PEEP) e as relações de tempo inspirado e expirado.

Tabela 1: Modelos, modos ventilatórios, acionamento, PEEP e relação inspiração: expiração dos principais ventiladores veterinários/ * Informações obtidas de acordo com o manual do fabricante de cada ventilador

O modelo mais simples como o VentPet Plus e DL 728 têm apenas a função do modo PCV (ventilação controlada a pressão) e o VentPet possui uma única forma de acionamento que é a controlada. Já os demais modelos possuem a função de acionamento assistido que permite estabelecer uma pressão de sensibilidade para garantir autonomia ao paciente quando ele tentar respirar. Esta função possui a vantagem de diminuir a assincronia entre ventilador e o paciente. O modelo LevenPet possui dois modos ventilatórios, o SDA-V1 tem três modos e o ventilador digiVENT é o mais completo que possui oito modos ventilatórios, além dos seis mostrados na tabela, ainda possui os modos ventilação não invasiva (NIV) e DualPAP.

Tabela 2: Modelos, curvas, loops, fração inspirada de oxigênio, frequência respiratória e capacidade de ventilação conforme o peso dos principais ventiladores veterinários/ * Informações obtidas de acordo com o manual do fabricante de cada ventilador

Na Tabela 2, estão assinalados quais gráficos são mostrados de acordo com cada modelo de ventilador mecânico (curvas de pressão-tempo; volume-tempo; fluxo-tempo e os loops de pressão-volume e volume-fluxo. E também se é possível ajustar a fração inspirada de oxigênio (FiO2), a frequência respiratória por minuto e a variação de peso do paciente em que o ventilador consegue operar.

Não é possível atribuir valores fixos para os parâmetros aqui mencionados de volume corrente, PPI, PEEP, FR, relação I:E na espécie canina, cada paciente deve ser individualizado de acordo com suas necessidades. É importante salientar também que não existe consenso na veterinária em qual dessas duas modalidades (VCV ou PCV) é a melhor e devemos lembrar que ambos os modos ventilatórios possuem vantagens e desvantagens. Além disso, os pacientes anestesiados devem ser monitorados até o final do procedimento e deve-se utilizar ventiladores de qualidade.

Portanto, é preciso conhecer os diferentes ventiladores mecânicos e suas funções para interpretar corretamente curvas e loops com intuito de atender de forma adequada os pacientes durante os procedimentos anestésicos. Por fim, seja qual for a modalidade de suporte ventilatório empregado na anestesia, o que vai determinar a eficiência do que se está fazendo são os valores monitorados de ETCO2, SpO2, PaO2 e PaCO2.

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Me. Anderson Eberhardt Assumpção
Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Residência em Cirurgia e Anestesiologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Professor da Faculdade de Medicina Veterinária da UNISUL de 2013 a 2022; Professor de Pós-graduação da Faculdade Qualittas e IBMvet.

Prof. Me. Wendel Dietze
Graduação pela Universidade luterana do Brasil-RS; Mestrado em ciência animal com ênfase em anestesiologia pela Universidade do Estado de Santa Catarina – Lages-SC; Professor de anestesiologia dos cursos de medicina veterinária da Unisul Tubarão e UNIVINTE FUCAP – Capivari se Baixo-SC.