Por: Lilian Stefanoni Ferreira Blumer, Mariana Emerencianao Fava, Natalia Conte Gonçalves, Verena Gottardello Marrafon
Principais prostatopatias em cães
INTRODUÇÃO
A próstata é a única glândula sexual acessória dos cães e tem como função a produção do fluido prostático que transporta e sustenta os espermatozoides no momento da ejaculação. Com o aumento da expectativa de vida dos cães, pode-se observar cada vez mais o aumento das doenças senis, dentre elas as prostatopatias. Os problemas que afetam a próstata canina incluem Hiperplasia Prostática Benigna, Prostatite, Cistos e Abscessos Prostáticos, Metaplasia Escamosa e Neoplasia Prostática.
Os sinais clínicos mais encontrados em cães com doença prostática incluem hematúria, disúria, incontinência urinária, disquezia, dor e perda de peso. No entanto, essas doenças não apresentam sintomas patognomônicos, portanto, o diagnóstico correto pode não ser um desafio. Um exame clínico preciso e um protocolo de diagnóstico correto são essenciais para iniciar o tratamento mais adequado.
Sendo assim, o cenário atual ressalta a importância do estudo constante e aprofundado sobre alterações senis, incluindo as afecções prostáticas, de forma a contribuir para a prevenção e tratamento eficientes. Essa revisão tem por escopo apresentar as principais prostatopatias dos cães.
HIPERPLASIA PROSTÁTICA BENIGNA
A próstata é a única glândula sexual acessória em cães machos, e fornece com suas secreções, o transporte de espermatozoide além de um ambiente ideal para a sua sobrevivência. O seu tamanho e peso variam com a idade, raça e peso de cada animal (SILVA e AQUINO-CORTEZ, 2018).
O fluido prostático é composto por citrato, lactato, sais, glicoproteínas e antioxidantes. A arginina esterase específica da próstata canina (CPSE), é o principal produto secretor da próstata e representa mais do que 90% das proteínas do plasma seminal nesta espécie. Esta vem sendo considerada um útil marcador de diagnóstico para identificar distúrbios prostáticos. O desenvolvimento e manutenção da atividade secretória prostática são garantidas pela ação de hormônios. A testosterona penetra nas células da próstata por difusão e é metabolizada em outros esteroides por enzimas. Mais de 95% da testosterona é convertida em di-hidrotestosterona (DHT) pela 5α-redutase na próstata. Outro hormônio envolvido no desenvolvimento da próstata é o 17β-estradiol que funciona em sinergia com andrógenos (ANFRIMANI, 2018).
Entre os animais domésticos, o cão é o único animal que desenvolve a HPB que é a afecção de maior incidência da próstata em cães adultos, machos e não castrados. Essa enfermidade acomete cães de 3,2 anos a 8,6 anos e está associado ao aumento de tamanho e peso da próstata (SILVA e AQUINO-CORTEZ, 2018). A etiologia da HPB não está totalmente esclarecida, mas sabe-se que com o desenvolver da doença os animais secretam 40% menos testosterona e 60% mais de estradiol do que os animais saudáveis. O aumento do estradiol resulta no maior número de receptores androgênicos na próstata, assim aumentando a conversão da testosterona em DHT que aumenta a proliferação do parênquima prostático, levando a hiperplasia e hipertrofia da glândula. Além disso o aumento de DHT estimula a ação local de fatores de crescimento e catecolaminas, que atuam aumentando a contratilidade e a dimensão da próstata (ANFRIMANI, 2018).
Frequentemente, os cães com BPH são assintomáticos, mas quando os sinais clínicos estão presentes, os mais comuns são secreção uretral, hematúria, tenesmo retal, constipação, disquesia em alguns casos observa-se disúria, estranguria e incontinência. Dor abdominal caudal e infertilidade podem ser observadas, enquanto os sinais sistêmicos raramente são relatados (SILVA e AQUINO-CORTEZ, 2018).
Ao exame físico, na palpação retal a glândula hiperplásica se apresenta aumentada, com consistência firme, regular, lisa e não dolorosa (ANFRIMANI, 2018). Para auxiliar o diagnóstico, os exames de imagem são essenciais, como a radiografia que pode mostrar aumento da glândula. Na ultrassonografia é possível visualizar a morfologia, textura, presença de cistos, comprimento e largura da próstata (ANFRIMANI, 2018). Na ultrassonografia, a próstata aparece com frequência ampliada e simétrica, com parênquima homogêneo ou com aspecto nodular.
Frequentemente um ou mais cistos estão presentes, que aparecem como intraparenquimatosos com tamanho e formato variáveis e com margens bem definidas. Cistos são lesões cavitárias de paredes finas com fluido não purulento, localizado no parênquima prostático ou externamente. Os cistos prostáticos e paraprostáticos podem estar associados a esta afecção. A etiologia dos cistos prostáticos na maioria dos casos associados com HPB é caracterizada por um aumento nas secreções prostáticas que exercem uma maior pressão sobre os dutos excretores. Nesses casos ocorre a formação de numerosos e pequenos cistos no parênquima glandular. Na maioria das vezes sem importância clínica (SILVA e AQUINO-CORTEZ, 2018).
O diagnóstico definitivo é firmado pelo exame histopatológico realizado pela biópsia ou pela punção aspirativa por agulha fina preferencialmente guiados por ultrassonografia (ANFRIMANI, 2018).
Por ser uma alteração hormônio dependente, o tratamento de PRECONIZADO da HPB consiste na realização da orquiectomia que resulta em uma diminuição rápida e irreversível do volume da próstata. Em relação ao tratamento médico, a finasterida, um inibidor sintético da enzima 5α-redutase é a droga de escolha (SILVA e AQUINO-CORTEZ, 2018).
PROSTATITE
A prostatite é a inflamação da próstata, sendo no cão a forma mais comum decorrente de infecção bacteriana, podendo afetar cães de qualquer idade, porém é mais observada em animais adultos e inteiros (VIANA, 2015). Os principais microorganismos que podem ser encontrados na prostatite bacteriana são Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Klebsiella spp., Proteus mirabilis, sendo os mesmos microorganismos principais causadores de infecções do trato urinário, indicando que a infecção acontece de forma ascendente. Em alguns casos, a prostatite pode se desenvolver em abscessos prostáticos (GALVÃO et al., 2011).
A prostatite pode ocorrer de forma aguda e crônica, encontrando-se mais a forma crônica. Na forma aguda pode se observar uma inflamação focal ou difusa, supurativa, com acúmulo de exsudato no lúmen glandular, tendo ou não comprometimento estromal e formação de abscessos (FONSECA ALVES et al., 2010; LOPES, 2021). Os sinais clínicos mais observados podem ser anorexia, depressão, febre, dor abdominal ou caudal, corrimento uretral transparente ou hemorrágico, esforço para micção e defecação, andar enrijecido, edema de escroto e prepúcio e polaciúria (GALVÃO et al., 2011).
Fonte: VIANA, 2015.
A forma crônica pode estar associada a formação de Abscesso Prostático onde ocorre o acúmulo de material purulento envolto por cápsula de tecido conjuntivo (DA SILVA; AQUINO-CORTEZ, 2018; LOPES, 2021).
O paciente pode apresentar no exame físico dor ao toque retal, principalmente nas prostatites agudas. Nos exames complementares observa-se alterações no exame radiográfico decorrente da prostatomegalia, bordas prostáticas irregulares e mineralização do tecido. A ultrassonografia pode revelar as mesmas alterações, como também espaços intraparenquimatosos hiperecóicos e preenchidos de fluido (SMITH, 2008; GALVÃO et al., 2011).
O diagnóstico presuntivo é baseado na história, exame físico, achados laboratoriais, cultura de urina e imagens da próstata. Este diagnóstico pode ser confirmado com cultura de fluido prostático (MUZZI et al., 1999; GALVÃO et al., 2011).
O tratamento médico da prostatite bacteriana é feito através da administração de antibióticos que tenham uma boa ação e penetração no parênquima prostático. Para instituição de protocolo adequado é recomendado a realização de cultura e antibiograma. De forma geral os principais agentes que apresentam eficácia são sulfa + trimetropina, fluorquinolonas e macrolídeos (NASCIMENTO, 2009; MARIANO et al., 2015). Recomenda-se a orquiectomia como tratamento coadjuvante. Quando se tem a presença de abscessos pode ser necessário a realização de drenagem cirúrgica e omentalização prostática (SIRINARUMITR et al., 2001; GALVÃO et al., 2011).
NEOPLASIA PROSTÁTICA
As neoplasias prostáticas afetam mais os cães idosos, de maneira geral apresentam baixa incidência e prognóstico desfavorável. Os principais tumores encontrados são adenocarcinoma, carcinoma das células de transição, carcinoma das células escamosas, leiomiossarcoma e fibrossarcoma, e o linfoma, sendo este último raro (GADELHA, 2003; LEAV e GERALD, 2006; ASSIN et al., 2008; LOURENÇO, 2019).
Em contraste com as outras doenças da próstata em cães, as neoplasias prostáticas envolvem principalmente não castrados. Os adenocarcinomas são as neoplasias mais comumente observadas em cães. A prevalência de próstata tumores é 7,3% das doenças da próstata em cães, com uma média idade de 10 anos no momento do diagnóstico (LEAV et al., 2001; TESKE et al., 2002; KUTZLER e YEAGER, 2005; GALVÃO, 2011).
Os tumores prostáticos geralmente são malignos. Os cães afetados por tumores prostáticos apresentam sintomas urinários (disúria, hematúria), dor abdominal, marcha rígida e equilibrada, podendo ocorrer também sinais sistêmicos (letargia, perda de peso, anorexia). O exame transretal da próstata revela um aumento do volume prostático marcado por uma assimetria dos lóbulos (MOURA, 2004; LOURENÇO, 2019).
A principal indicação clínica de quimioterapia é prevenir metástases e reduzir a ocorrência de doenças relacionadas a sintomas sistêmicos. Estudos mostram que o tratamento com piroxicam e carprofeno ajuda a melhorar a sobrevida de cães com carcinomas da próstata. O tratamento cirúrgico envolve prostatectomia parcial ou total. O prognóstico é reservado em caso de metástase pulmonar. A cirurgia radical de próstata é frequentemente associada a complicações pós-operatórias, como incontinência urinária (SMITH, 2008; LEROY e NORTHREP, 2009; LOURENÇO, 2019).
METAPLASIA DE CÉLULAS ESCAMOSAS
A metaplasia escamosa é uma enfermidade que acomete a próstata canina, onde ocorre a substituição de epitélio glandular para epitélio escamoso estratificado, com deposição de queratina e concomitante ao aumento de células basais. (SETTI, 2017).
A Metaplasia escamosa de células prostáticas é uma condição secundária ao hiperestrogenismo exógeno ou mais frequentemente endógeno, frequentemente devido a tumor funcional de células de Sertoli que levam a maior liberação de estrógeno que causa sinais de feminização do cão macho (SALAVESSA, 2009).
Os sinais clínicos podem variar e se manifestar de diversas formas. No trato urinário pode ocorrer hematúria ou incontinência urinária e raramente disúria, no digestório tenesmo associado a fezes finas e constipação e na parte reprodutiva podem ser indicativos a recusa de monta e diminuição da fertilidade e da libido. Podemos ainda ver ginecomastia, ptose, secreção peniana, alopecia e hiperpigmentação. (SOUZA e FERREIRA, 2020). Os sinais clínicos de feminização do cão macho são evocativos. O diagnóstico clínico é baseado no exame da terceira fração prostática e na observação de células prostáticas queratinizadas em relação à impregnação estrogênica. A metaplasia é reversível após a remoção da fonte de estrogênios e a orquiectomia é o tratamento de escolha (SOUZA e FERREIRA, 2020).
Referências
ANFRIMANI, D. S. R. Caracterização seminal e das alterações hemodinâmicas da próstata e testículos de cães com hiperplasia prostática benigna. 2018. Tese (Doutorado em Reprodução Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, University of São Paulo, São Paulo, 2018.
GALVÃO, A.L.B. et al., Principais afecções da glândula prostática em cães. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.35, n.4, p.456-466, out./dez. 2011. Disponível em: < http://www.cbra.org.br/pages/publicacoes/rbra/v35n4/pag456-466.pdf>. Acesso em: 28 dez. de 2021.
LEMES, A. R. et al., Complicações recorrentes da técnica de Prostatectomia total como tratamento Alternativo para retirada de abscesso Prostático em cão – relato de caso. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP, v. 11, n. 3, p. 97-97, 11. Disponível em: < https://www.revistamvez-crmvsp.com.br/index.php/recmvz/article/view/21402>. Acesso em: 11 jan. de 2022.
LOPES, B., Achados ultrassonográficos de cisto hemorrágico prostático em um cão. Universidade Federal de Santa Maria. 2021. Disponível em: < https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/21137/TCCE_RAPSMVDI_2021_LOPES_BIBIANA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 02 jan. de 2022.
LOURENÇO, K.; Prostatite com Abscedação Prostática em Cão da Raça Rottweiler: Relato de Caso. Universidade Federal de Santa Catarina, Campos Curitibanos. 2019. Disponível em: < https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/199590>. Acesso em: 02 jan. de 2022.
PETTERLE, P. H. Embolização da Próstata Uma nova opção no tratamento da Hiperplasia Prostática Benigna. Revista Saúde, Agosto de 2019. Disponível em: <https://rsaude.com.br/caceres/materia/embolizacao-da-prostata-uma-nova-opcao-no-tratamento-da-hiperplasia-prostatica-benigna/19730>. Acesso em: 18 de Janeiro de 2022.
VASQUES, G. M. B. et al. Principais exames diagnósticos nas doenças prostáticas em cães: revisão. Revista de Ciência Veterinária e Saúde Pública, v. 5, n. 2, p. 231-250, 31 ago. 2018. Disponível em: < https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevCiVet/article/view/41718>. Acesso em: 03 jan. de 2022.
VIANA, A.F.D. Abordagem ao diagnóstico das doenças da próstata no cão. Universidade de Lisboa. 2015. Disponível em: < repository.utl.pt/bitstream/10400.5/8658/3/Abordagem%20ao%20diagnóstico%20das%20doenças%20da%20próstata%20no%20cão.pdf>. Acesso em: 29 Dez. de 2021.
SALAVESSA, C. M. Ultrassonografia e histopatologia da próstata de cães (Canis familiaris). 2009. Tese (Mestrado em Ciência Animal) – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Rio de Janeiro, 2009.
SETTI, R. Afecções Prostáticas em Cães. Boletim Pet. v. 5, p. 7-9, 2017.
SILVA, J. K. M.; AQUINO-CORTEZ, A. Hiperplasia Prostática Benigna em Cães. Ciência Animal, Caucaia, Ceará, 28. ed, p. 84-96, 2018.
SOUZA, F. F; FERREIRA, M. A. Novembro Azul: prevenção é o melhor remédio para evitar câncer de próstata em cães. CRMVal, 2020. Disponível em: http://www.crmv-al.org.br/site/mostraconteudo.aspx?c=30711. Acesso em: 05 de jan. de 2022.
Lilian Stefanoni Ferreira Blumer
Graduação em Medicina Veterinária pela Unesp – Campus Araçatuba
Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais pela Unesp – Campus de Jaboticabal
Mestrado em Medicina Veterinária com ênfase em Nefrologia e Urologia de cães e gatos pela Unesp – Campus de Jaboticabal
Membro do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias – CBNUV
Professora de graduação e pós-graduação em Faculdades de Medicina Veterinária
Atendimento em Nefrologia de cães e gatos.
Mariana Emerenciano Fava
Graduanda do 9º semestre de Medicina Veterinária pela Unip (Universidade Paulista) – Campinas.
Vice presidente do GEMVET (grupo de estudos em medicina veterinária) em 2021.
Estagiária no hospital veterinário Clinicão e Gato em Jundiaí.
Natalia Conte Gonçalves
Graduanda do 9° semestre de Medicina Veterinária pela Unip (Universidade Paulista) – Campinas.
Verena Gottardello Marrafon
Graduanda do 9º semestre de Medicina Veterinária pela Unip (Universidade Paulista) – Campinas.
Iniciação Científica com bolsa do CNPq pela USP de Setembro de 2020 a setembro de 2021.
Estágio realizado no Zooparque Itatiba em Julho de 2019.
Presidente do GEMVET (grupo de estudos em medicina veterinária) em 2021.
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