Obesidade é desnutrição?

Por Msc. André Freccia

Médico Veterinário/Professor UNIBAVE/SC

A obesidade canina, assim como nos humanos, está se tornando uma preocupação crescente nos animais de companhia (GERMAN, 2006; FAZENDA, 2009). Caracterizada pelo acúmulo de gordura exacerbada sendo superior ao necessitado pelo corpo (OLIVEIRA et al., 2010; SILVA et al., 2017), a obesidade pode induzir a diferentes alterações na função corporal e diminuir a longevidade dos cães afetados (APEKMANN et al., 2014). Atualmente o cão tornou-se uma figura importante no convívio social, sendo considerado parte da família (IBGE, 2015).

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No Brasil o número de animais domiciliados ultrapassou a quantidade de crianças por família (IBGE, 2015). O aumento da antropomorfização, assim como o sedentarismo e o excesso de alimentação auxiliam nos crescentes índices de quadros de obesidade (COELHO, 2018).

A prevalência da obesidade nos animais domésticos encontra-se entre 22 a 40% segundo estudos realizados em diferentes países (BRUNETTO et al., 2011). O aumento dos índices da obesidade é relevante, tornando-se distúrbio nutricional comum em muitos países ocidentais (ZORAN, 2010). Os cães com predisposição para essa enfermidade são os animais velhos, castrados, e os que recebem um maior fornecimento de carboidratos (LUND et al., 2006; SILVA et al., 2017).

A obesidade também é definida como uma doença metabólica, hormonal e inflamatória (ZORAN, 2010). A caracterização da definição de inflamatória deve-se as adipocinas que são secretadas pelos tecidos adiposos, dentro delas se incluem citocinas (fator de necrose tumoral alfa (TNFα), interleucina 6). Sendo as adipocinas responsáveis por influenciar vários sistemas do corpo (GERMAN et al., 2010).

Em humanos a obesidade é considerada uma pandemia que em conjunto com a desnutrição e mudanças climáticas representam a Sindemia Global, e elas interagem em si e apresentam influência mútua sobre a sociedade, sendo atualmente de extrema preocupação para o mundo todo (LIPORACE, 2019).

As doenças nutricionais são de suma importância, e que levou ao desenvolvimento da Sociedade Mundial de Medicina Veterinária de Pequenos Animais (WSAVA) a produzir diretrizes que incluem a avaliação nutricional como um quinto parâmetro dentro dos demais parâmetros vitais no exame clínico (WSAVA, 2011).

A obesidade canina é uma doença gerada por meio de um desequilíbrio acarretado entre o consumo demasiado de energia e o gasto de energia desapropriada, levando a um estado de balanço energético positivo, além disso, a obesidade pode causar predisposições a outras doenças crônicas, dentre elas osteoartrites, problemas cardiorrespiratórios, diabetes mellitus, hipotiroidismo, dermatites, maior risco anestésico e redução da longevidade dos animais (AMARAL, 2018; GERMAN, 2006; ZORAN, 2010).

Para o tratamento da obesidade canina devem ser analisadas as necessidades energéticas diárias do animal, e assim prescrever um regime dietético. As atividades físicas juntamente, com os programas de emagrecimento, também são recomendações terapêuticas. A participação do proprietário é essencial para que ocorra resultados no tratamento (APTEKMANN et al., 2014; RIBEIRO; DE SOUZA, 2017; COELHO, 2018).

O tecido adiposo libera uma série de hormônios e fatores proteicos, chamado de adipocinas (LAFLAMME, 2006; GERMAN, 2010). As adipocinas produzem citocinas inflamatórias como TNFa e interleucinas 6, e induzem ao quadro de inflamação crônica na fisiopatologia clínica na obesidade. A perda de peso diminui as concentrações plasmáticas dessas citocinas inflamatórias (COPPACK, 2001; LAFLAMME, 2006; GERMAN, 2010; LIMA, 2018).

As raças mais predispostas ao risco de obesidade são Labrador Retriever, Beagles, Teckels, Boxers, Cocker Spaniels e BassetHounds (JERICÓ et al, 2018; GERMAN 2006), assim como os animais de idade avançada e sedentários (LUND et al., 2006; SILVA et al., 2017). Cães castrados também possuem predisposição, devido a diminuição da expressão de hormônios sexuais que leva a uma redução da taxa metabólica (JERICÓ et al., 2018).

Atualmente, o crescimento da prevalência tanto do excesso de peso e da obesidade é significativa grande nos países desenvolvidos, assim como visto em humanos (FAZENDA, 2009). Segundo Lund et al. (2006). Pesquisas realizadas por veterinários nos Estados Unidos no ano de 1995 para determinar a prevalência da obesidade em cães maiores de 1 ano, demostraram que 34% dos cães eram obesos.

Na Austrália a prevalência de sobrepeso e obesidade combinada foi de 41%, de acordo com McGreevy et al. (2005) demonstrado por meio de um estudo realizado para determinar a prevalência dos cães analisados por práticas veterinárias em todo o país.

Figura 1. Uma ilustração do processo de avaliação nutricional de duas etapas (adaptado WSAVA, 2020).

No Brasil a prevalência encontrada mediante as pesquisas em cães com sobrepeso foi de 41% e obesos com 27%, dentro das cidades de Minas Gerais e São Paulo (APTEKMANN et al., 2014). Debastiani (2018) elaborou uma pesquisa que abrangeu 17 estados brasileiros utilizando um questionário direcionado para os tutores dos animais, o qual observaram uma taxa de 27% de cães obesos e sobrepesos.

Uma Avaliação de triagem deverá ser realizada em todos os pacientes. A utilização por exemplo desta árvore decisória Figura 1. (WSAVA, 2020), poderá auxiliar o clínico veterinário na tomada de decisão. Com base nesta triagem, os animais saudáveis e sem fatores de risco não precisam de nenhuma avaliação adicional. A Avaliação aprofundada é realizada quando são identificados um ou mais fatores de risco relacionados na avaliação de triagem e, desta forma antecipada, poderá predizer e ou encaminhar a exames complementares para a triagem e diagnóstico do paciente obeso. Estes exames complementares (hemograma, bioquímicos, eletrocardiograma e utrassonografia) podem esclarecer e até concluir a tomada de decisão do médico veterinário para encaminhar para um programa de perda de peso e classificação da condição corporal (Figura 2).

Figura 2. Classificação da condição corporal em cães. Fonte: Adaptado de WSAVA. Nutritional Assessment Guidelines (2011).

Segundo pesquisa realizada por Chauvet (2011), a atividade física (JERICÓ et al. 2018) corrobora para o balanço energético negativo, contribuindo com a taxa de perda de peso em pacientes com restrição calórica. Pöppl (2016) sugere que para a inicialização do programa de perda de peso é necessário estabelecer o peso ideal para o animal, podendo ser realizado por meio da correlação percentual do sobrepeso com o ECC atual do cão, em razão que neste sistema cada ponto significa 10-15% de sobrepeso.

Em termos de como os veterinários se comunicam com seus clientes,  39% dos proprietários de cães com excesso de peso ainda acreditavam que seu cão tinha o peso corporal ideal, apesar do veterinário classificar o cão como obeso White et al. (2011). Isso abre a portapara outra abordagem sobre a obesidade, investigando como as crenças e os hábitos do tutor podem interferir ou até ser fator preponderante para um animal ser obeso. Em resumo, a condução e a orientação do paciente obeso passa por estratégias de exercícios em programas de perda de peso para cães, incentivar os donos de cães a treinarem seus cães como uma medida preventiva para evitar o ganho de peso (BANTON et al. 2022) e entender em qual contexto social e ambiental o canino encontra-se. E para responder a pergunta inicial, sim, obesidade é desnutrição.

Referências:

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APTEKMANN, K. P.; SUHETT, W.G.; JUNIOR, A.F.M.; SOUZA, G.B.; TRISTÃO, A.P.P.A.; ADAMS, F.K.; AOKI, C.G.; JUNIOR, R.J.G.P. CARCIOFI, A.C. COSTA, M.T. Aspectos nutricionais e ambientais da obesidade canina. Ciência Rural, [s.l.], v. 44, n. 11, p.2039-2044, nov. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cr/v44n11/0103-8478-cr-44-11-02039.pdf Acesso em: 16 set. 2022.

BRUNETTO, M. A.; NOGUEIRA, S.; SÁ, C. F.; PEIXOTO, M.; VASCONCELLOS, R. S.; FERRAUDO, A. J.; CARCIOFI, A. C. Correspondência entre obesidade e hiperlipidemia em cães. Ciência Rural, [s.l.], v. 41, n. 2, p.266-271, fev. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cr/v41n2/a849cr2620.pdf Acesso em: 26 ago. 2022

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CARCIOFI, A. C. Obesidade e suas consequências   metabólicas e inflamatórias em cães e gatos. Jaboticabal, Faculdade  de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, 2005 Disponível em: http://www.fcav.unesp.br/Home/departamentos/clinicacv/AULUSCAVALIERICARCIOFI/obesidade-texto.pdf Acesso em: 12 ago. 2022

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COPPACK, S. W. Pro-inflammatory cytokines and adipose tissue. Proceedings Of The Nutrition Society, [s.l.], v. 60, n. 3, p.349-356, ago. 2022.

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FAZENDA, M. I. N. Estudo da relação entre a obesidade e a hipertensão em cães. 2009. 119 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2009.

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André Freccia

Possui graduação em Medicina Veterinária pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Professor na UNIBAVE (SC), e atualmente doutorando na UDESC. @andrenutrivet

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