VETERINÁRIO É REFERÊNCIA NA ÁREA DE NEFROLOGIA E UROLOGIA NA MEDICINA VETERINÁRIA
Por Maria Inês Ferreira e Samia Malas
Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1984, o Prof. Dr. Júlio César Cambraia Veado possui mestrado pela mesma universidade e doutorado em Science de La Vie e de La Santé (Ciência da Vida e da Saúde), realizado na Universidade de Paris XII, França, em 1997. Atualmente é Professor Titular da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. Atua principalmente nos seguintes temas: Nefrologia, hemodiálise, nutrição parenteral e enteral. Hoje faz parte do Conselho Fiscal do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias (CBNUV), mas já presidiu a associação em sua fundação.
Medicina Felina em foco: Há quanto tempo atua na área de nefrologia? Poderia compartilhar um pouco da sua trajetória profissional?
Dr. Júlio Cambraia: Entre os anos de 1993 e 1997 eu realizei o meu doutorado na França e tive a oportunidade de fazer hemodiálise em suínos. Conhecer essa técnica deu-me a oportunidade de começar a realizar este procedimento aqui no Brasil em 1999, quando começamos os trabalhos de técnicas dialíticas na Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Então, desde 1999 venho ministrando cursos de hemodiálise e de nefrologia e, desde esta época, venho realizando estudos e pesquisas nestas áreas. Naquele momento, eram poucas as pessoas envolvidas na nefrologia e acabei me interessando muito pela área, pois vi a possibilidade de poder contribuir com esse tema na medicina veterinária.
Medicina Felina em foco: Quais os desafios de quem atua nessa área no Brasil?
Dr. Júlio: O Brasil, no contexto mundial, é um país que tem uma medicina veterinária de cães e gatos muito evoluída. Temos muitas oportunidades de atuação, um público que vem respeitando a cada dia mais as nossas atividades, percebendo a necessidade de um atendimento de qualidade para seus animais de companhia. Por este e outros motivos, a medicina veterinária de animais de companhia evoluiu muito e vem crescendo em áreas específicas de conhecimento. A cardiologia, a oncologia, a gastroenterologia, a nefrologia, dentre outros, são exemplos de áreas de conhecimento específico que vêm crescendo a cada dia no Brasil. Na América Latina, para que se tenha uma ideia, o Brasil é considerado o país mais evoluído em termos de especialidades, sendo o único que emite títulos aos especialistas em diferentes áreas de conhecimento. Então, pensar em atuar em uma área específica, há alguns anos, poderia realmente ser um grande desafio e uma utopia. Hoje, porém, a sociedade vem se acostumando com essa condição de termos profissionais que atuam especificamente em algumas áreas, o que facilita, muitas vezes, a indicação dos clínicos gerais, para que as pessoas procurem um especialista numa determinada área, para atender as demandas específicas de seus animais. É claro que ainda estamos em uma fase na qual a especialidade é forte e necessária em alguns centros, porém, ainda pode apresentar resistência em algumas pequenas cidades. Estamos em um caminho sem volta; a necessidade da qualificação profissional, de profissionais especialistas, de clínicas e hospitais de qualidade, vem sendo cada dia maior.
Medicina Felina em foco: Quais os projetos atuais que o CBNUV tem implementado e que melhorias eles pretendem trazer para a área?
Dr. Júlio: Desde que fundamos o CBNUV temos procurado evoluir nas nossas ações ano a ano. Tive a oportunidade de ser o primeiro presidente do Colégio, na primeira gestão e também continuar na presidência no segundo mandato. Durante os primeiros anos as principais ações foram voltadas para a organização do Colégio. Não tínhamos nada. Não éramos ninguém. Após o registro do CBNUV, ele passou a ser uma entidade oficial reconhecida e com CNPJ. Começamos a participar de diferentes eventos e no início, principalmente, nos grandes congressos da ANCLIVEPA e da MedVep. Hoje estamos completando 13 anos da criação do colégio e continuamos participando de importantes eventos, como o “Nefro em foco”, que acontece no congresso “Vet em foco” em Campinas-SP. Continuamos participando também dos congressos MedVep e ANCLIVEPA. Realizamos nosso grande congresso internacional, o CINUV, em Belo Horizonte-MG, temos nossas comissões e subcomissões que atuam de forma exemplar contribuindo com as atividades e demandas do CBNUV. Desde o início da pandemia, estamos realizando mensalmente, toda segunda terça-feira do mês, uma reunião técnica destinada aos associados do colégio, sempre com temas atuais e relevantes. Um projeto importante que está em andamento é o da criação de um documento, que pode se tornar a diretriz do CBNUV para diferentes situações relacionadas à nefrologia e urologia. Este documento está sendo criado por diferentes subcomissões com textos completos, com uma visão nacional sobre doença renal crônica, insuficiência renal aguda, urolitíases, infecção do trato urinário, dentre outros, que juntos, se tornarão quase um livro de recomendações, sugestões e entendimento do CBNUV sobre esses assuntos. Acreditamos que, em breve, possamos disponibilizar este documento para a comunidade médico-veterinária.
Medicina Felina em foco: Se compararmos com outros países da Europa e Estados Unidos, a área de nefrologia veterinária brasileira está avançada ou ainda tem muito a crescer?
Dr. Júlio: Estamos bem avançados sim. Temos, de alguma forma, os mesmos recursos, conhecimento e capacidade técnica, que os Estados Unidos, ou outros países no mundo. Temos um número expressivo de médicos-veterinários que se especializam na nefrologia e o campo de trabalho aumenta substancialmente. Na América Latina, por exemplo, somos o único país que tem uma entidade específica e reconhecida oficialmente. Em fevereiro deste ano fomos convidados a participar de uma reunião no México, cujo objetivo foi a criação de uma entidade latino-americana de nefrologia. No dia 14 de fevereiro de 2024 foi fundado o Colégio Latino-americano de Nefrologia e Urologia Veterinária, cuja diretoria é constituída por 8 membros, representando 8 países. No momento, fui indicado para compor a diretoria representando o Brasil.
Medicina Felina em foco: Como avalia a evolução do mercado nos últimos 10 anos?
Dr. Júlio: É incrível assistir o que aconteceu nestes últimos anos, principalmente tendo acompanhado um passado mais distante. Este ano completei 40 anos de medicina veterinária. Há 40 anos eu sou clínico de pequenos animais. Milito na área da nefrologia há cerca de 31 anos, o que me permite ter esta visão do processo de formação e de evolução desta área. A criação do CBNUV veio em um momento onde era importante a sua existência. Já havia profissionais envolvidos na nefrologia espalhados pelo Brasil e havia, também, acadêmicos em formação, que estavam à procura de uma área de atuação. Acredito que esta junção de necessidades permitiu uma reação em cadeia, que espalhou a notícia da existência e da possibilidade de agregar conhecimento nesta área. Estamos ainda crescendo na nefrologia e urologia veterinárias e durante alguns anos, ainda veremos uma importante evolução nesta área.
Medicina Felina em foco: O mercado de trabalho na área é muito concorrido ou ainda há muito espaço para trabalhar e investir?
Dr. Júlio: Ainda há espaço para crescer nesta área. Assistimos alguns “booms” e isso pode causar uma falsa sensação de saturação do mercado. Vamos pegar o exemplo da hemodiálise. Durante muito tempo tínhamos pouquíssimos profissionais envolvidos em hemodiálise. Hoje existe a demanda e muitos profissionais se envolvem nesta área na nefrologia. O Brasil hoje é, seguramente, o país que mais tem aparelhos de hemodiálise na veterinária no mundo; e mais ainda! É o país que mais faz hemodiálise em cães e gatos, em número de procedimentos, no mundo. Os valores desses procedimentos no Brasil são muito inferiores aos do resto do mundo, o que facilita a realização desta técnica e justifica realizarmos muitas hemodiálises por ano. A demanda por profissionais especializados vem acontecendo em todas as áreas do conhecimento e não é diferente na nefrologia e urologia. Como se destacar nesta área? Estudando! Estudando muito e entendendo que o animal é um todo; sabendo bem a clínica geral e só depois, se envolvendo na especialidade. O melhor especialista é o excelente clínico geral, que tem conhecimento também, em uma área específica.
Nefrologia e Urologia Veterinária (CLANUV).
Cada membro representa um país da América Latina.
Júlio Cambraia é representante do Brasil
Medicina Felina em foco: Quais os maiores avanços em termos de tecnologia que os veterinários que atuam na área de nefrologia experimentaram nos últimos anos?
Dr. Júlio: Como tudo, e como em todas as áreas, temos hoje um número importante de possibilidades de identificação de problemas e de como solucioná-los. Para melhor responder a esta pergunta, primeiramente, quero reforçar um conceito para, na sequência, responder. Nefrologia pode ser definida como a área do conhecimento ligada a atuação clínica do sistema urinário e a urologia, a área do conhecimento relacionada a atuação cirúrgica do sistema urinário, ou seja, o nefrologista é o clínico e o urologista é o cirurgião do sistema urinário. Então, tanto o nefrologista, quanto o urologista, são beneficiados com exames para ajudar na sua conduta. Os nefrologistas têm a possibilidade de ter excelentes máquinas de hemodiálise, de plasmaférese ,aparelhos que avaliam, de forma não invasiva, as vias urinárias e o apoio de diferentes exames de imagem e de patologia clínica. Por outro lado, o urologista, também é muito bem assistido com exames de imagem e exames de patologia clínica e têm, ainda, a possibilidade de realização de procedimentos de biópsia, de cirurgias guiadas por vídeo, de litotripsia, de implantação de substitutos de vias urinárias, dentre outros. Certamente há demanda e há recursos e, por isso, também estamos assistindo um enorme avanço em curto espaço de tempo nestas áreas.
Medicina Felina em foco: Os serviços de nefrologia para pets têm ficado mais acessíveis?
Dr. Júlio: Sim. A cada dia vemos a redução dos valores de exames e de procedimentos devido à popularização e, consequentemente, redução de seus custos. É uma tendência natural com tudo que vivenciamos. Aconteceu com o ultrassom, com a tomografia, com os computadores e com os celulares. Quanto mais popular, mais barato. Além disso, como dissemos, os tutores, preocupados e a cada dia mais atentos às necessidades, têm entendido a importância do maior custo dos tratamentos e procedimentos cirúrgicos. Apesar do serviço especializado ser mais restrito aos grandes centros, já estamos assistindo especialistas atuando em cidades do interior, aquelas que têm uma população importante. Certamente o conjunto entre a informação facilitada, a demanda da sociedade e a popularização dos serviços, vem ajudando a mudar esta realidade.