MIXOMATOSA MITRAL ESTÁGIO D

Por Vinícius Dayoub Gonçalves

Torasemida como alternativa terapêutica em pacientes com Degeneração Mixomatosa Mitral estágio D.

A DMVM encabeça a lista dos maiores problemas encontrados pelo veterinário cardiologista, sendo o estágio D, o mais avançado

A Degeneração Mixomatosa Valvar Mitral (DMVM) encabeça a lista dos maiores problemas encontrados pelo veterinário cardiologista. Trata-se da doença cardíaca mais comum dentre os cães, principalmente os de pequeno porte. Estes pacientes são classificados em estágios, a fim de aprimorar o acompanhamento clínico e terapêutico, sendo o estágio D, o mais avançado, caracterizado por pacientes em insuficiência cardíaca congestiva em estado refratário à terapia convencional (KEENE et al., 2019). São pacientes que já estão em uso de inodilatador (pimobendam), diuréticos em dose alta (furosemida acima de 6mg/kg/d, espironolactona 2mg/kg/SID e por vezes, tiazídicos), além de vasodilatadores (iECA em dose de 0,5mg/kg/BID e, muitas vezes, artero e venodilatores) e ainda assim, apresentam episódios frequentes de edema pulmonar cardiogênico (ICC esquerda) ou de ascite (ICC direita), além de episódios de síncope (baixo débito cardíaco, arritmias). Esta associação diurética acaba causando maior depleção de potássio, mesmo com o uso da espironolactona e iECA. Além disso, os pacientes podem desenvolver resistência à furosemida devido à hipertrofia da parte do ramo ascendente da alça de Henle (OYAMA et al., 2011; CHETBOUL et al., 2017). Dessa forma, além do potencial uso de dilatadores venosos e arteriais como alternativas terapêuticas, atualmente há o advento da torasemida, diurético de alça mais potente que a furosemida, que pode auxiliar no tratamento da ICC nos pacientes classificados no estágio D da doença valvar (OYAMA et al., 2011; PEDDLE et al., 2012).

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A torasemida é um diurético de alça que também tem o mecanismo de ação baseado na inibição da reabsorção de água por meio da ação nos receptores Na+/K/Cl ATPase na região ascendente da alça de Henle (UECHI et al., 2003). Na Medicina, é sabido que a torasemida possui maior biodisponibilidade, maior meia-vida e um período de ação maior que a da furosemida (MEULLER et al. 2003). Inclusive, o estudo TORIC (Torasemide in Congestive Heart Failure), realizado em humanos, nos EUA, demonstrou uma mortalidade muito menor, melhora clínica importante e redução da re-hospitalização de pacientes quando comparada à furosemida e ao grupo placebo (COSIN et al., 2002). Estudos farmacocinéticos e farmacodinâmicos realizados em cães saudáveis evidenciaram que dose de torasemida correspondente a 10% da dose da furosemida promoveu efeitos diuréticos semelhantes ao efeito da furosemida, sendo então declarada um diurético 10 vezes mais potente, além de promover efeito diurético por 12 horas, o dobro do promovido pela furosemida (UECHI, 2003; PAULIN et al., 2016). Além disso, estudos farmacológicos experimentais evidenciaram que o uso da torasemida nesta dose promove maior concentração urinária de aldosterona, ou seja, maior eliminação desse hormônio (UECHI et al., 2003; HORI et al, 2007). A torasemida possui efeito antifibrótico no miocárdio por promover ação antagônica à da aldosterona (OYAMA et al. 2011; CHETBOUL et al., 2017), à semelhança da espironolactona, apesar deste mecanismo atualmente estar em ampla discussão. A torasemida também reduziu a excreção urinária de potássio em cães com insuficiência mitral experimental (UECHI et al., 2003). Além de promover efeito diurético 10 vezes maior que o efeito da furosemida, a torasemida teve ação por maior período de tempo (12 horas), em comparação à furosemida (3-4 horas) (UECHI et al., 2003). Ambos os diuréticos podem potencialmente promover piora da azotemia após administração a longo prazo, portanto, esta deve ser monitorada. Estudos realizados no Japão (HORI et al, 2007) demonstraram que a administração a longo prazo da torasemida não promoveu resistência quando em comparação com a furosemida, porém o mecanismo desta ausência de resistência ainda não é totalmente elucidado e necessita de maiores estudos. Oyama e colaboradores (2011) relataram o uso clínico de torasemida em três cães com insuficiência cardíaca avançada, refratários à furosemida, e consequente controle da ICC por um período consideravelmente maior. Peddle e colaboradores (2012) avaliaram a resposta da torasemida em substituição à furosemida em cães com degeneração mixomatosa valvar mitral (DMVM) classificados como estágio D (estágio refratário), cuja resposta mostrou-se benéfica em relação à qualidade de vida, à melhora clínica e à tolerância ao fármaco (ausência de azotemia ou piora da mesma). Estudo recente mostrou redução de duas vezes o risco de atingir desfecho de óbito por doença cardíaca, eutanásia por ICC ou piora da classe de ICC em curto prazo em cães tratados com torasemida em comparação à furosemida (CHETBOUL et al., 2017).  Apesar de poucos estudos em Medicina Veterinária, em pacientes refratários, a torasemida parece ser uma boa alternativa para tentativa de controle dos sinais clínicos nestes casos.

Os pacientes portadores de degeneração mixomatosa valvar correspondem a uma significante parcela dos atendimentos dentro da prática clínica médica dos médicos veterinários no ambulatório e os pacientes em estágio avançado refratário às medicações são particularmente desafiadores. Há poucos estudos com evidência científica forte quanto ao uso atualmente, porém frente às poucas opções terapêuticas disponíveis e à segurança já provada em relação à sua farmacocinética e farmacodinâmica, torna-se uma ferramenta importante e viável para o controle desse tipo de paciente.

Experiências pessoais recentes evidenciam boas respostas em pacientes que não apresentam hipertensão pulmonar do tipo II (pós-capilar – secundária a aumentos importantes das pressões de enchimento em câmaras esquerdas) quanto à qualidade de vida e número de re-internações. A torasemida é um diurético potente, podendo alterar a função renal e níveis de eletrólitos devido a alterações na taxa de filtração glomerular e deve ser avaliada pelo médico veterinário de maneira individual. Dessa forma, apesar de ainda termos poucas evidências com estudos randomizados prospectivos multicêntricos, torna-se uma ferramenta muito viável para o controle dos nossos pacientes refratários, quando seu uso pode ser indicado.

Referências bibliográficas:

CHETBOUL, V., POUCHELON, J.-L., MENARD, J., BLANC J., DESQUILBET, L., PETIT, A., ROUGIER, S., LUCATS, L. WOEHRLE, F., on behalf of the TEST study investigators. Short-term efficacy and safety of torasemide and furosemide in 366 dogs with degenerative mitral valve disease: The TEST Study. J Vet Intern Med 2017;31:1629–1642.

COSIN, J., DIEZ J., TORIC INVESTIGATORS. Torasemide in chronic heart failure: results of the TORIC study. Eur J Heart Fail. 2002 Aug;4(4):507-13.

HORI, Y., TAKUSAGAWA, F., IKADAI, H. et al. Effects of oral administration of furosemide and torsemide in healthy dogs. Am J Vet Res. 2007 Oct;68(10):1058-63.

KEENE, B.W., ATKINS, C. E., BONAGURA, J.D., et al.  ACVIM consensus  guidelines for the diagnosis and treatment of myxomatous mitral valva disease in dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine. 2019; 1-14.

Muller, K., Gamba, G., Jaquet, F., Hess, B. Torasemide vs. Furosemide in primary care patients with chronic heart failure NYHA II to IV- efficacy and quality of life. Eur J Heart Fail 2003;6:793-801.

OYAMA, M.A., GORDON D., PEDDLE, G.D., REYNOLDS, C.A., SINGLETARY, G.E. Use of the loop diuretic torsemide in three dogs with advanced heart failure. Journal of Veterinary Cardiology (2011) 13, 287-292.

PEDDLE, G.D., GRETCHEN, E.S., REYNOLDS, C.A. et al. Effect of torsemide and furosemide on clinical, laboratory, radiographic and quality of life variables in dogs with heart failure secondary to mitral valve disease. Journal of Veterinary Cardiology 14, 253 259, 2012.

PAULIN, A., SCHNEIDER, M., DRON, F. A pharmacokinetic/pharmacodynamic model capturing the time course of torasemide-induced diuresis in the dog. J. vet. Pharmacol. Therap..v4, p201-211. 2016.

UECHI, M,. MATSUOKA M., KUWAJIMA E., KANEKO. T., YAMASHITA, K., FUKUSHIMA, U., ISHIKAWA, Y. The effects of the loop diuretics furosemide and torasemide on diuresis in dogs and cats. J Vet Med Sci. 2003 Oct;65(10):1057-61.

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Vinícius Dayoub Gonçalves

Médico-veterinário Cardiologista dos Hospitais Pet Care, de São Paulo-SP.
Graduação em Medicina Veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP);
Residência em Clínica Médica pelo Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinaria e Zootecnia da Universidade de São Paulo (HOVET-USP);
Residência Nível III em Cardiologia Veterinária pelo Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (HOVET-USP).

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