Uma abordagem humanizada para cães e gatos
Por Lilian Blumer
Os Cuidados Paliativos são uma área emergente tanto na Medicina Humana quanto na Veterinária, focada na qualidade de vida dos pacientes e na atenção empática às suas famílias e equipes de suporte. Essa abordagem não apenas promove o bem-estar animal em momentos de maior vulnerabilidade, mas também fortalece o vínculo humano-animal, oferecendo suporte emocional aos tutores durante fases desafiadoras como a morte e o luto.
Histórico e definição dos cuidados paliativos
Na medicina humana, os cuidados paliativos surgiram como uma resposta à necessidade de tratar não apenas a doença, mas também o sofrimento do paciente e da família. Na medicina veterinária, essa abordagem tem ganhado espaço diante do aumento na longevidade dos animais de companhia e da maior incidência de doenças crônicas e degenerativas.
A International Association of Animal Hospice and Palliative Care (IAAHPC), por exemplo, é uma organização internacional dedicada à promoção de boas práticas em Cuidados Paliativos veterinários. Seu trabalho tem sido fundamental para estabelecer diretrizes que norteiam o suporte a animais com diagnósticos terminais e suas famílias.
Princípios norteadores dos cuidados paliativos
Os Cuidados Paliativos têm como foco central o alívio do sofrimento e a promoção do bem-estar animal. O sucesso dessa abordagem não está relacionado à cura, mas à oferta de cuidados adequados, no momento certo, para minimizar dores e outros sintomas. Entre os conceitos mais relevantes estão:
- Avaliação Individualizada, comunicação eficaz e elaboração de plano de cuidados: Cada paciente é único, e o plano de tratamento deve ser ajustado às necessidades específicas do animal e às expectativas do tutor.
- Aplicação de Escalas de Qualidade de Vida: Ferramentas como a Villalobos Quality of Life Scale auxiliam veterinários e tutores a avaliarem objetivamente o bem-estar do animal.
- Educação e Suporte ao Tutor: Envolver os tutores no processo, orientando-os sobre a trajetória da doença e as opções terapêuticas, promove tomadas de decisão mais conscientes e humanizadas.
Aplicabilidade e terapias de suporte
Os cuidados paliativos são aplicáveis a uma ampla gama de condições, incluindo câncer, doenças renais crônicas e doenças neurodegenerativas. As terapias incluem:
- Controle da Dor: Uso de analgésicos, anti-inflamatórios e opioides conforme necessário.
- Terapias Complementares: Acupuntura, fisioterapia e aromaterapia podem ser empregadas para melhorar o conforto do animal.
- Suporte Nutricional: Dietas especiais e suplementos que atendam às necessidades do paciente.
Desafios na implementação dos cuidados paliativos
No Brasil, ainda há uma carência de protocolos padronizados e de profissionais capacitados nessa área. Além disso, há um estigma em torno dos cuidados paliativos, frequentemente confundidos com desistência do tratamento. Cabe à comunidade veterinária conscientizar os tutores de que essa abordagem não significa abandonar o paciente, mas sim valorizar sua vida e dignidade.
Outro desafio é lidar com a fadiga por compaixão, um fenômeno comum entre profissionais que enfrentam diariamente situações de sofrimento. Proporcionar suporte psicológico à equipe veterinária é essencial para garantir sua saúde mental e a qualidade dos cuidados oferecidos.
O Papel do Veterinário no Processo de Luto
A comunicação é uma ferramenta essencial no suporte ao tutor durante a perda do animal. O veterinário deve explicar as opções de tratamento, os sinais da doença e os indícios de que o óbito está próximo. Quando a eutanásia é a última opção, o processo deve ser realizado com o máximo de respeito e tranquilidade, preferencialmente em um ambiente familiar e acolhedor.
Minha Jornada nos cuidados paliativos em Medicina Veterinária
Minha trajetória como médica veterinária sempre foi pautada pelo amor e dedicação aos meus pacientes. Após concluir a residência em clínica de pequenos animais e o mestrado em nefrologia de cães e gatos, atuo como docente na área de Medicina Veterinária e no atendimento especializado em nefrologia há 20 anos. Minha rotina me aproxima constantemente do envelhecimento e adoecimento dos meus pacientes, situações desafiadoras que moldaram minha prática clínica.
No início da minha carreira, minha abordagem era focada na cura. Em diversos momentos, eu acreditava que minha missão era manter meus pacientes vivos a qualquer custo. Entretanto, essa visão, muitas vezes, me afastava da essência do cuidado: respeitar o ciclo natural da vida e proporcionar dignidade aos meus pacientes e suas famílias.
Em 2019, vivi momentos que marcaram profundamente minha trajetória. A perda de um paciente muito especial, de uma família pela qual nutria grande carinho, coincidiu com o falecimento do dono do hospital veterinário onde eu trabalhava. Ele estava sob cuidados paliativos, algo que, na época, eu enxergava de forma equivocada. Para mim, cuidados paliativos significavam desistir, não fazer mais nada. Contudo, essa percepção estava longe da realidade.
Com o tempo, percebi que os cuidados paliativos são, na verdade, uma celebração da vida. Eles valorizam a autonomia, a dignidade e o bem-estar do paciente. Aprendi que cada plano de tratamento deve ser pensado de forma individualizada, considerando não apenas a doença, mas o ser como um todo, incluindo os aspectos emocionais e a dinâmica familiar.
Buscando aprofundar meu entendimento, realizei uma pós-graduação em cuidados paliativos e participei de diversos cursos relacionados ao tema. Hoje, acompanho semanalmente o ambulatório de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas da UNICAMP, onde participo de reuniões clínicas e conferências familiares. Essa experiência tem sido um aprendizado transformador, tanto profissional quanto pessoal, permitindo-me olhar com mais cuidado para tudo ao meu redor.
Agora, minha prática clínica é fundamentada na busca pelo equilíbrio entre o custo e o benefício de cada etapa do tratamento. Dou prioridade ao diálogo aberto com as famílias, compreendendo suas expectativas e necessidades, e aperfeiçoo constantemente minha comunicação. Meu objetivo é proporcionar aos meus pacientes e às suas famílias o máximo de conforto e qualidade de vida, respeitando suas individualidades e o momento em que se encontram.
A medicina paliativa, para mim, representa um compromisso com a vida em sua plenitude. É um cuidado que vai além da cura, focado no controle da dor, no alívio de sintomas e na promoção do bem-estar, honrando a dignidade de cada ser vivo que tenho a honra de cuidar.
Conclusão
Os cuidados paliativos representam uma evolução significativa na medicina veterinária, priorizando a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes e suas famílias. Com uma abordagem interdisciplinar e empática, é possível transformar momentos de dificuldade em experiências de cuidado e amor.
Investir na capacitação de profissionais e na educação dos tutores é fundamental para ampliar o acesso a essa especialidade no Brasil, garantindo que nossos fiéis companheiros recebam o cuidado que merecem em todas as fases de suas vidas.
Referências Consultadas:
Villalobos, A. E. (2011). Canine and Feline Geriatric Oncology: Honoring the Human-Animal Bond. Wiley-Blackwell.
International Association of Animal Hospice and Palliative Care. (2022). Guidelines for Veterinary Hospice and Palliative Care. Disponível em: https://www.iaahpc.org
World Health Organization (WHO). (2022). Palliative Care Overview. Disponível em: https://www.who.int
Quain, A., & Mullan, S. (2020). Quality of Life Assessment in Companion Animals. Veterinary Record, 187(3), 90-95.
Costa, F. P. (2020). Cuidados Paliativos na Medicina Veterinária: Desafios e Perspectivas. Revista Brasileira de Medicina Veterinária, 42(2), 78-84.
Lilian Stefanoni Ferreira Blumer
Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus Araçatuba (1997-2001). Cursou o Programa de Aprimoramento em Clínica Médica de Pequenos Animais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus de Jaboticabal (2002-2004). Atualmente é mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus de Jaboticabal (2004-2005). Tem experiência na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Clínica Veterinária de Pequenos Animais, atuando principalmente nos seguintes temas: cães, gatos, clínica médica de pequenos animais, nefrologia e urologia. Ministra aulas de Clínica Médica de Pequenos Animais, Fisiologia, Patologia Clínica, Enfermidades Parasitárias e Semiologia na Faculdade Anhaguera Campinas. Realiza atendimento especializado em Nefrologia e Urologia e de cães e gatos em Centros de Especialidades (VESP, Centro Veterinário Cambuí, Cevet e Hospital Veterinário Verlengia) na cidade de Campinas-SP.