Medicina Intensiva: área tem obtido avanços importantes no Brasil

POR SAMIA MALAS

Medicina Intensiva: área tem obtido avanços importantes no Brasil

Prof. Dr. RODRIGO CARDOSO RABELO APONTA PRINCIPAIS PONTOS DA ESPECIALIDADE COMO NOVIDADES, CURSOS, DESAFIOS E REALIDADE NO BRASIL E AMÉRICA LATINA

Rodrigo durante autógrafos da segunda edição do seu livro Guia de Conduta para o Médico Veterinário Intensivet, realizado durante o CBA Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Pessoal

Quando o assunto é atendimento de emergência e cuidados com pacientes que sofrem parada cardiopulmonar, muitos profissionais desconhecem as medidas que devem ser adotadas para oferecer uma assistência de qualidade e, acima de tudo, rápida para o animal de estimação. Pensando em preencher essa lacuna deficitária nos profissionais do setor veterinário, além de oferecer, é claro, troca de experiência sobre o assunto, entrevistamos o Prof. Dr. Rodrigo Cardoso Rabelo, médico-veterinário com doutorado pela Universidade Complutense, de Madrid, Espanha. Em 2005, Rabelo foi habilitado como técnico em emergência médica pelo 3o Batalhão do Corpo de Bombeiros Militares de Minas Gerais e recebeu as habilitações médicas Fundamentals on Critical Care Support (FCCS) e Basic Life Support (BLS). Em 2016 foi o primeiro especialista aprovado no exame de título pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e pela Academia Brasileira de Medicina Veterinária Intensiva (BVECCS). Atualmente, o especialista é gerente de pacientes graves do Intensivet, localizado em Brasília-DF. Além desse vasto currículo, o veterinário ministra palestras por todo Brasil e América Latina sobre Medicina Veterinária Intensiva.
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Revista Intensivismo e Emergência Veterinária em foco: Cada vez mais, escutamos falar de medicina Intensiva. O que causou esse aumento na procura pela especialidade? Qual o perfil de um intensivista?

RODRIGO RABELO: É uma especialidade que requer habilidades multidisciplinares, pois aborda conhecimentos de clínica médica (cardiologia, pneumologia, gastroenterologia, neurologia, nefrologia entre outras.), cirurgia, anestesia, patologia clínica, diagnóstico por imagem, fisioterapia e outras áreas, com o diferencial de focar totalmente nas necessidades do paciente grave. A oficialização da especialidade, em 2006, pelo CFMV e a aprovação de especialistas certificados pelo conselho exige uma mudança de abordagem desde o ensino na graduação, programas de residência e cursos de pós-graduação. A especialidade exige formação rígida para que a área de atuação em emergências e cuidados intensivos se reinvente e traga benefícios aos animais de forma geral.

RIEVF: O último consenso veterinário (recover) é de 2012 e a segunda edição ficou de ser lançada, mas ainda não há previsão. Com esse déficit de 7 anos sem atualização, o que a BVECCS avalia ser passível de alteração?

RABELO: Em tese, o ponto principal que a BVECCS sempre colocou contra o consenso americano é o uso da respiração boca-focinho, principalmente, pelo risco sanitário. O recover trabalha, como qualquer outro consenso, com evidências, não com emoção. São especialistas que se reúnem e checam a literatura existente para criar o consenso. E é com base em evidências que gerou-se a recomendação da respiração boca-focinho. Contudo, nós da BVECCS, acreditamos que elas são muito fracas frente ao risco de zoonose e risco de acidentes que a prática pode proporcionar. Assim, não usamos e não recomendamos essa técnica em nossos cursos. Fora isso, existem outras questões que esses 7 anos de déficit não levam em conta, como em relação à fluidoterapia, utilização de algumas vias acessórias para adrenalina que a evidência foi melhorando, mas o recover continua parado no tempo, o que exige alguns cuidados dos médicos veterinários intensivistas.

RIEVF: Como o profissional pode se atualizar nessa área?

RABELO:  O mais importante é estar próximo aos especialistas de cada área, com acesso direto às atualizações mais recentes da Medicina Veterinária Intensiva, que é uma especialidade muito recente e que inova constantemente.

RIEVF: O que é preciso para se tornar membro do BVECCS? Que benefícios os membros têm?

RABELO: Para ser membro basta entrar no site (www.bveccs.com.br) e se cadastrar. Dentre as vantagens estão os descontos nos cursos de certificação e atualização, principalmente. A Sociedade Latino Americana de Urgências e Cuidados Intensivos (www.laveccs.org) tem convênio direto conosco então somos responsáveis pelos cursos de certificação ABC Traumas e ABC Cuidados intensivos, e os membros têm descontos significativos. Nos congressos e eventos da BVECCS também existem parcerias com cursos de aperfeiçoamento como da Intensivet, em Brasília-DF, e outros, no Rio Grande do Sul, e em outras localidades. Aliás, para seguir o caminho da prova de título o profissional deve ter no mínimo 2 anos de sociedade ativa, sendo importante para o caminho de quem quer buscar a especialidade.

RIEVF: Qual a realidade sul-americana da área de medicina intensiva?

RABELO: A medicina intensiva é muito diferente. Já fui em quase todos os países da América Latina, salvo alguns da América

Central, são eles: Honduras, Nicarágua e El Salvador. Aliás, frequentamos com bastante frequência os demais países, desde o México até a Argentina e os cenários são muito distintos. Na Colômbia e Bolívia, por exemplo, a realidade das cidades do interior é muito diferente das capitas. Diria que o Chile é hoje o país que faz frente à medicina intensiva do Brasil, mesmo que, proporcionalmente, em menor número. Existem dois ou três serviços no país que podem se equiparar ao nível de qualidade de medicina intensiva que praticamos aqui. O México, como está próximo aos Estados Unidos, tem uma condição um pouco melhor, mas mesmo assim não vemos o mesmo nível de qualidade. Tem hospitais grandes, mas muito focados em cirurgias. De forma geral as internações têm um déficit muito grande. São hospitais bonitos, com grandes recepções, milionários, com grandes blocos cirúrgicos, mas as internações não são planejadas. Então, o Brasil está bem avançado em relação à América do Sul. Estamos mais avançados até mesmo que alguns países europeus. Recebemos esse feedback de colegas da Europa com frequência, e dos americanos também. O que falta no Brasil é a questão dos recursos para manter pacientes graves hospitalizados por muitos dias. Contudo, pouco a pouco, em casos específicos, temos conseguido dar resoluções que há 5 anos não conseguíamos. Casos de cirurgia cardíaca, alterações renais importantes ou ainda casos oncológicos. Conseguimos dar vazão a casos graves que não conseguíamos antes. Mas ao mesmo tempo a necessidade de equipamentos e investimento acaba distanciando grandes centros de centros menores.

RIEVF: Qual é a relevância de se conhecer os protocolos de reanimação cardiopulmonar na rotina de um vet intensivista?

RABELO: Infelizmente, os resultados com a reanimação cardiopulmonar (RCP) ainda estão muito abaixo das expectativas nos últimos 50 anos. Boa parte desses resultados advém da falta de atenção com os protocolos e treinamentos necessários para melhorarmos os índices de sobrevida depois de um evento de parada cardiorrespiratória. Por isso, devemos estar atentos aos consensos mais recentes e a todas as novidades e ferramentas disponíveis que possam colaborar com nossa rotina médica no pronto-socorro e na terapia intensiva. 

Trabalhos recentes desenvolvidos nos Estados Unidos apontam que mais de 50% dos profissionais de clínica geral de pequenos animais desconhecem o protocolo de reanimação cardiorrespiratória. É uma situação grave e, creio eu, que no Brasil tenhamos esses mesmos índices. Temos que informar aos profissionais que existe um protocolo e que deve ser usado no dia a dia durante o trabalho.

RIEVF: Como orientar os tutores diante de alguma emergência?

RABELO: Os responsáveis devem ficar muito atentos a qualquer sinal de colapso: perda de consciência, respiração ofegante ou parar de respirar, olhos arregalados e extremidades frias, pois todo cuidado é pouco para prevenir a parada e iniciar os esforços de RCP com a maior precocidade possível. Os tutores devem ser treinados pelos médicos veterinários para realizar o suporte básico extra-hospitalar. Alguns hospitais e profissionais da área, não todos, oferecem cursos que ensinam os “primeiros socorros” para que os tutores possam colocar em prática com os animais.

RIEVF: Quais os grandes desafios de quem atua na área?

RABELO: Ter paciência e saber trilhar o caminho da especialidade. É entender que essa moda de especialistas com 21 ou 23 anos de idade é perigosa. As pessoas se formam e vão direto para uma pós latu sensu, as vezes têm mestrado e já são doutores com 20 e poucos anos e a experiência prática, do dia a dia, é muito restrita. Essa confusão faz com que os cursos latu senso, que são mais um aperfeiçoamento, gerem uma má sensação de especialidade. Como são cursos ditos de especialização as pessoas acham que esse diploma de especializado – por sinal, esse nome nem deveria ser utilizado – se confunde com o título de especialista. Ou seja, usam o título de forma incorreta nos cartões de visita, placas, identificações com os clientes. Os hospitais mesmo divulgam em suas redes sociais que a “sua equipe de intensivistas está a disposição”, etc.. Somos quatro veterinários intensivistas titulados no Brasil todo, sendo que três moram aqui e um está nos Estados Unidos. Assim, somente quatro pessoas fizeram a prova de título do conselho federal para poder ostentar o título de especialista de fato. Assim, é um desafio tentar normatizar a questão da especialidade, manter uma ética dentro desse trabalho.

Outro desafio é explicar que a medicina intensiva não é só UTI. Ela abarca vários nichos dentro do cuidado do paciente grave, desde a medicina de desastres, pré-hospitalar, que envolve o atendimento de ambulância, o atendimento antes de chegar ao hospital, o resgate de animais em locais difíceis, passando pelo pronto-atendimento até chegar em uma internação hospitalar, onde tem enfermaria, internação semi-intensiva e de unidade de cuidados intensivos. Todo esse fluxo que envolve doente grave, é responsabilidade do veterinário intensivista. Assim, são necessárias habilidades muito diferen

tes que somente procedimentos e técnicas para se tornar um veterinário intensivista. Há a área de gestão de processos, controle de desperdícios, indicadores hospitalares, administração hospitalar, recurso humano, são todas habilidades que buscamos em um intensivista e que têm que ser desenvolvidas com o tempo. É uma tarefa dura, que leva alguns anos para que esse tipo de status técnico seja alcançado. A impaciência tem sido nosso grande obstáculo no processo todo.

RIEVF: E quais têm sido as maiores novidades na área?

RABELO: As grandes novidades que apareceram nos últimos 5 anos é a questão do diagnóstico, a facilidade de conseguir imagens em alta resolução, principalmente pela explosão dos serviços de diagnóstico com tomografia computadorizada, ressonância magnética, melhora dos serviços de endoscopia e, principalmente, a parte laboratorial. Conseguimos atingir um nível – na área de microbiologia – em que já existem no Brasil laboratórios que trabalham com culturas automatizadas, resultados rápidos. Hoje temos acesso a diagnósticos com proteínas de fase aguda importantes para nossa rotina, por exemplo.

Mas acho que a grande conquista foi uma mudança na Resolução 1.015  do CFMV que foi substituída pela Resolução 1275 esse ano, que coloca como requisito obrigatório para hospitais veterinários um laboratório de emergência que contenha lactímetro, glicosímetro, microcentrífuga para realização do hematócrito e o refratômetro monocular para realização das proteínas totais. Foi um ganho importante que a BVECCS teve junto ao CFMV para tentar organizar a questão de pronto-socorro e emergência e foi a primeira vitória de nossa especialidade para o conselho escutar parte de nossas demandas. E claro, a explosão do número de internações com mais recursos. Dentre essas novidades o que prejudicou é que muita gente acabou desvirtuando o conceito de UTI, não sabendo a diferença de uma internação simples com enfermaria, para uma semi-intensiva e uma com UTI. E torna difícil a competição no mercado, pois o marketing é muito parelho e não se sabe do que se fala quando todos dizem que têm uma UTI no hospital com intensivista.

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