ENDOCRINOLOGIA VETERINÁRIA: NOVIDADES E DESAFIOS

PROFISSIONAIS DA ÁREA TRAÇAM PANORAMA DESTA ESPECIALIDADE,QUE DIAGNOSTICA E TRATA DOENÇAS BASTANTE COMUNS EM CÃES E GATOS, COMO A OBESIDADE, O GRANDE MAL DO SÉCULO

Foto: Bigandt_Photography/iStockphoto

Por: Samia Malas

O setor de endocrinologia veterinária tem se destacado e obtido avanços significativos nos últimos anos culminando, inclusive, na concessão de título de especialista na área pela Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária (ABEV), habilitada a realizar as provas desde abril de 2022 pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).

Foto: Divulgação/”Temos uma atuação forte da ABEV que promove simpósios e congressos nacionais e internacionais para esta área e um aumento dos cursos de pós-graduação que formam novos profissionais a cada 2 anos”, diz Profa. Dra. Priscila Viau, atual presidente da ABEV

De acordo com a Profa. Dra. Priscila Viau, co-fundadora do laboratório Hormonalle com sede em São Paulo, fundadora da empresa Pesquisas Hormonais e sócia-fundadora e atual presidente da ABEV, a endocrinologia é uma das especialidades que vem crescendo de forma expressiva no Brasil, resultado de vários fatores combinados. “A ABEV possui uma atuação forte na área, promovendo simpósios e congressos nacionais e internacionais específicos. Além disso, houve um aumento significativo de cursos de pós-graduação, que forma novos profissionais em média a cada 2 anos. Ademais, existe a indústria farmacêutica e alimentícia, dedicadas ao desenvolvimento de produtos específicos e coadjuvantes ao tratamento que colaboram para o bem-estar e longevidade desses pacientes. Por fim, não menos importante, temos os laboratórios especializados em mensurações hormonais que proporcionam exames especiais para auxiliar o endocrinologista a fechar o diagnóstico e fazer o monitoramento desses pacientes portadores de uma ou mais doenças endócrinas”, lista a atual presidente da ABEV.
A Profa. Dra. Sofia Borin Crivellenti também acredita que o mercado de endocrinologia veterinária tem tido um crescimento bastante promissor. “A endocrinologia tem ganhado destaque nos últimos 15 anos dada sua grande integração com diversas outras áreas da medicina veterinária”, aponta a médica-veterinária, que é professora da graduação em Medicina Veterinária e da pós-graduação em Ciências Veterinárias na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e membro da diretoria da ABEV.

Foto: Divulgação/”A endocrinologia tem ganhado destaque nos últimos 15 anos dada sua grande integração com diversas outras áreas da medicina veterinária”, diz Profa. Dra. Sofia Borin Crivellenti, pós-doutorado em Medicina Veterinária com ênfase em Endocrinologia pela UNESP

A Profa. Dra. Vanessa Uemura da Fonseca, professora no curso de Medicina Veterinária da Universidade Santo Amaro e atuante na área de endocrinologia clínica da Concept Care Santo André, em São Paulo, também percebe que a endocrinologia veterinária tem crescido rapidamente enquanto especialidade, sobretudo nos últimos 10 a 15 anos com a ABEV impulsionando e unindo os amantes da endocrinologia veterinária. “Além disso, instituições comprometidas com a formação de novos endocrinólogos têm oferecido cursos de especialização na área, ampliando o número de médicos-veterinários especializados”, acrescenta a médica-veterinária. Ainda segundo ela, as doenças mais comuns de quem atua na área de endocrinologia são: hipercortisolismo, diabetes mellitus, hipotireoidismo e obesidade em cães; e em gatos, hipertireoidismo, diabetes mellitus e obesidade. “Temos diversas opções terapêuticas veterinárias e alguns fármacos disponíveis em farmácia humana que podem ser utilizados, seja para redução ou reposição hormonal. A indústria de alimentos atua fortemente na área, com diversos alimentos coadjuvantes no tratamento, como é o caso da obesidade e diabetes mellitus”, comenta.

Foto: Divulgação/”A indústria de alimentos atua fortemente na nossa área, com diversos alimentos coadjuvantes no tratamento, como é o caso da obesidade e diabetes mellitus”, diz Profa. Dra. Vanessa Uemura da Fonseca, da Concept Care Santo André

O médico-veterinário Dr. Fabio Alves Teixeira, membro fundador da Nutricare Vet, mestre e doutor em Ciências pela FMVZ/USP e coordenador do curso de Pós-graduação Lato Sensu em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos – Anclivepa-SP, aponta que a endocrinologia é uma especialidade de grande importância na Medicina Veterinária, pois as doenças endócrinas são muito recorrentes e exigem tratamento para a vida toda do paciente, além de muito presentes em animais idosos. “Como a população de pets tem tido maior longevidade, consequentemente estas doenças acabam sendo mais frequentes, inclusive, algumas raças que estão na moda têm predisposição a algumas doenças endócrinas como o Shih Tzu, Schnauzer, Yorkshire, Lhasa e Maltes”, diz Dr. Fabio.

Foto: Divulgação/”A obesidade é a doença nutricional mais importante do mundo moderno, a mais frequente, e é considerada como doença pela OMS e pela WSAVA”, diz Profa. Dra. Márcia Jericó, vice-presidente da ABEV

OBESIDADE EM PETS
Uma das doenças mais comuns na área é a obesidade. Para a Profa. Dra. Márcia Jericó, médica-veterinária e zootecnista pela USP, mestre em Ciências (Fisiologia Humana) e doutora em Medicina Veterinária e Zootecnia pela mesma universidade, sócia fundadora e vice-presidente da ABEV e sócia-proprietária dos Consultórios Veterinários Alto da Lapa, antes de tudo, a obesidade deve ser tratada como uma doença. “É a doença nutricional mais importante do mundo moderno, a mais frequente, e é considerada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS) humana e pela Associação Mundial de Médicos Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA). A obesidade é uma situação que compromete a qualidade e a longevidade da vida do indivíduo. Ou seja, terá menos qualidade de vida e um tempo de vida mais curto. Então essas são as informações que nós, médicos-veterinários, devemos informar ao tutor do pet desde o momento que começamos a perceber que ele está ganhando peso ou que ele está em um ambiente que eu costumo chamar de obesogênico, um ambiente que proporciona obesidade, com muitos animais ou muitos tutores, oferta de alimento sem restrição etc.”, revela a veterinária.
Vanessa concorda, e aponta que o grande desafio do combate à obesidade é o de que o tutor sempre subestima o real escore corporal do seu pet, especialmente os gateiros. “Quando o tutor não reconhece a obesidade, é difícil se comunicar com ele e conscientizá-lo. Assim, as ferramentas de conscientização do tutor e a comunicação do veterinário é algo que tem sido muito trabalhado na endocrinologia e na nutrição veterinária, mas precisa ser melhorado também na rotina clínica, pois o clínico geral está mais próximo do tutor e pode ajudar na prevenção da obesidade”, diz.

Foto: Divulgação/”A obesidade ainda é um desafio, principalmente porque a maioria dos tutores não consegue identificar a obesidade em seus pets, o que dificulta o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento”, diz Mayara Andrade, médica-veterinária nutróloga da BRF Pet

De acordo com Dra. Sofia a maior parte das novidades e dos avanços da área de endocrinologia veterinária está direcionada para a obesidade e suas consequências. “A obesidade é o grande distúrbio metabólico da humanidade e, por consequência, dos pets. Novas dietas, medicações de controle da glicemia e lipemia estão chegando com tudo para agregar precisão e assertividade ao tratamento da obesidade”, acrescenta. Segundo Mayara Andrade, médica-veterinária nutróloga da BRF Pet, a obesidade ainda é um desafio, principalmente porque a maioria dos tutores não consegue identificar a obesidade em seus pets, o que dificulta o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento. Ainda segundo Mayara, há diferenças entre os alimentos light e obesos. “Geralmente, um alimento light é indicado para cães saudáveis com 10 a 15% de peso a mais e o alimento para obesos para animais com 30% ou mais do peso considerado ideal. Comparando um alimento para um cão adulto em manutenção com um alimento para um cão adulto com tendência a ganho de peso, o alimento chamado de light apresenta menor teor de gordura e calorias, possui enriquecimento com ingredientes funcionais, como a carnitina, que auxilia na queima da gordura, e maior teor de proteínas e fibras, contribuindo não só para a manutenção de peso, mas para a saciedade”, explica a veterinária.
Dr. Fabio é editor do recém-lançado “Obesidade Em Animais De Companhia” pela editora Manole, e aponta que 40% dos cães estão pelo menos em sobrepeso inicial, e de 15 a 20 % são obesos. “No gato a prevalência parece ser maior, pois em torno de 50 a 60 % estão pelo menos em sobrepeso. Nosso livro é um dos poucos materiais que compila todas as etapas da obesidade”, acrescenta. Ainda segundo Dr. Fabio, existem pesquisas no intuito de buscar medicamentos para este quadro, mas ainda não há nada lançado no mercado veterinário. “O animal de estimação precisa ser monitorado para esta perda de peso por um profissional que saiba lidar com a doença.
O desafio é fazer com que o pet emagreça sem passar fome (fazendo com que o tutor não consiga manter o tratamento) e garantir que os pets não tenham uma ingestão baixa de nutrientes. Às vezes reduzimos tanto a alimentação que o pet corre o risco de ter uma redução de peso com deficiência nutricional, perda de musculatura, redução de imunidade, problemas de pele. Pets que estão acima do peso precisam de tratamento, e isso vai envolver questões endócrinas, nutricionais e até gastrointestinais”, alerta.

Foto: Divulgação/”No gato a prevalência da obesidade parece ser maior, em torno de 50 a 60 % dos gatos estão pelo menos em sobrepeso”, diz Dr. Fabio Alves Teixeira, mestre e doutor em ciências pela FMVZ/USP

EXAMES DA ÁREA
“No Brasil, as grandes novidades residem na possibilidade da monitorização da glicose subcutânea por sensores acoplados à pele dos animais diabéticos, nas dosagens de catecolaminas urinárias para o diagnóstico de feocromocitoma e na disponibilidade da cintilografia para diagnóstico e cálculo da radioiodo terapia para tratar felinos hipertireoideos”, diz Dra. Sofia.
Dra. Priscila concorda, e enfantiza que um grande avanço na área de exames e metodologia foi a validação de métodos para dosagens hormonais inéditas no Brasil, que permitem que os pacientes sejam diagnosticados com mais assertividade. “Temos o diagnóstico de feocromocitoma com o uso da metodologia de cromatografia líquida acoplada a Espectrometria de massas (LC-MS/MS). O uso dessa ferramenta permite detectar como se essa doença tivesse uma ‘impressão digital’ que a difere de outros tumores adrenais, não havendo a possibilidade de falso negativo ou positivo. Para se ter uma ideia da importância desse avanço, antes, este exame era encaminhado para o exterior e demorava em torno de 45 dias para se ter um resultado, e era realizado com uma metodologia não tão precisa. Hoje no máximo em uma semana esse paciente já é diagnosticado”, exemplifica. Segundo Fernanda Nobre Bandeira Monteiro, responsável técnica do Centro de Diagnóstico Animal (CDA), na rotina do seu laboratório os exames mais solicitados, com resultados positivos mais frequentes são: hipotireoidismo ou hipertireoidismo, hipoadrenocorticismo ou hiperadrenocorticismo, diabetes e obesidade. “O conjunto de resultados de contagem de enzimas, com testes bioquímicos, ajudam a diagnosticar essas patologias. No diabetes mellitus, por exemplo, a frutosamina, proteína glicada mais utilizada para o monitoramento da glicose em diabéticos, não tem sua concentração afetada pelas flutuações transitórias da glicose no sangue, como o estresse. A ligação da glicose às proteínas produz frutosaminas. Os distúrbios eletrolíticos, do fósforo, sódio, potássio, cálcio iônico e cloro, podem identificar os desequilíbrios pela liberação em excesso ou baixa quantidade de eletrólitos pelo suor e/ou urina devido a doenças renais, ou somente desidratação, bem como, as alterações na glicose, lactado e urinálise de um paciente diabético”, detalha Fernanda, que continua: “Em outras patologias endócrinas como hipoadrenocorticismo, hiperadrenocorticismo, hipotireoidismo e hipertireoidismo, suas alterações são bem definidas nos perfis bioquímicos que identificamos como essenciais para cada uma delas. No hipoadrenocorticismo visualizamos alterações mais comuns em cortisol basal, ureia, creatinina, glicose e proteína total e frações, no hiperadrenocorticismo o cortisol basal e o cortisol pós dexametasona são mais marcantes. No hipotireoidismo, verificamos que o colesterol total, fosfatase alcalina, o T4 Total e o TSH são alteração patognomonicas. Assim como no hipertireoidismo, o T4 Livre e o TSH, são mais comuns em felinos; além do hemograma em todos os casos. O hemograma pode detectar sinais precoces de doenças, nos dando visão geral, como anemia, infecções e distúrbios de coagulação.”

NOVIDADES DA ENDOCRINOLOGIA
Dra. Vanessa aponta que há grandes avanços na área, principalmente no setor farmacêutico. “Empresas multinacionais estão trazendo uma série de produtos, que antes eram comercializados apenas fora do país, e que agora podemos encontrar com facilidade no Brasil. Isso amplia as possibilidades terapêuticas a serem oferecidas para os nossos pacientes e nos aproxima da endocrinologia aplicada em todo o mundo”, diz. Priscila concorda, e acrescenta: “as indústrias farmacêutica, de alimentação e diagnóstico são as que mais investem no desenvolvimento de produtos e serviços para que os profissionais que atuam nessa área possam, cada vez mais, ter acesso a possibilidade de diagnosticar de forma precoce esses pacientes com transtornos e iniciar o tratamento necessário e adequado para melhorar a qualidade de vida e bem-estar dos animais endocrinopatas”.

DESAFIOS DA ÁREA
De acordo com Dra. Sofia, a endocrinologia é um grande quebra-cabeças! “Creio que o maior desafio reside no fato dos sinais clínicos se conectarem de forma complexa, exigindo uma cuidadosa interação com diversas áreas. Falando especificamente da minha rotina, como meu setor de Endocrinologia pertence ao Hospital Veterinário da UFU, um hospital federal, temos dois públicos-alvo: aquele que vem em busca de diferencial e, portanto, ciente dos custos e outro público mais carente, que muitas vezes não consegue arcar com os exames e/ou tratamentos. Neste cenário, a união entre pesquisa e rotina clínica é muito importante, uma vez que viabiliza tanto a extensão, quanto a evolução na área”, compartilha. Dra. Vanessa acrescenta que o principal desafio atualmente, sem dúvida, é o mesmo de todos os veterinários que atuam em especialidades: o de se atualizar sempre! “Acompanhar todos os avanços diagnósticos e terapêuticos que surgem em todo o mundo é um desafio constante, pois há inúmeras publicações mensais e muita informação disponível para o aprimoramento contínuo dos profissionais da área.
Para se manter atualizado, Dra. Priscila lembra que o profissional precisa fazer cursos de pós-graduação e participar de simpósios e congressos. “Os sócios da ABEV participam de eventos gratuitos e também se beneficiam de descontos em eventos como congressos e simpósios com valores bem acessíveis, o que contribui para que se mantenham sempre atualizados”, finaliza.