DIETA BARF: UMA ALIMENTAÇÃO SEGURA?

Foto: Zontica

Por: Larissa Marry Pchevuzinske

O crescimento do segmento de saúde pet é notável, como demonstram os dados mais recentes da Abinpet (2024), abrangendo áreas como assistência veterinária, medicamentos, exames, acessórios e pet food. Essas mudanças no mercado refletem um aumento no cuidado e na proximidade entre tutores e seus animais. A busca por alimentos mais saudáveis é uma questão crucial que influencia nas decisões sobre uma dieta mais adequada. Nesse contexto, a alimentação crua, ou BARF (Biologically Appropriate Raw Food), tem ganhado destaque, especialmente pela promoção na internet de uma dieta mais “natural” para cães e gatos.
As razões pelas quais os tutores procuram esse tipo de dieta, estão ligados a: maior aproximação da alimentação humanizada, questões sociais no preparo e diversidade do alimento, influência na saúde e bem-estar através do alimento, falta de confiança na qualidade dos ingredientes fornecidos em um produto comercial e maior aproximação da ancestralidade da vida selvagem (Morelli et al., 2019).
A dieta BARF tem como base ingredientes frescos e crus que podem incluir músculos, órgãos e ossos derivados de mamíferos, peixes ou aves, assim como leite não pasteurizado e ovos. Tendem a apresentar maiores concentrações de proteínas e gordura, menor quantidade de carboidratos, e consequentemente maior digestibilidade. Esse tipo de dieta pode ser classificada em duas principais categorias: comerciais e caseiras.

Os produtos comerciais podem ser encontrados de forma fresca, congelada ou liofilizadas, e precisam ser formuladas para oferecer um alimento nutricionalmente balanceado, seguindo as normas dos perfis nutricionais de cães e gatos (FEDIAF ou AAFCO).
As dietas caseiras, assim como as comerciais, devem ser acompanhadas por um veterinário nutricionista ou zootecnista, para desenvolver planos alimentares que atendam ao perfil nutricional adequado de aminoácidos, vitaminas, minerais e ácidos graxos. Muitos tutores adotam a rotação de ingredientes, acreditando que isso será suficiente para oferecer uma alimentação completa aos seus pets, o que pode resultar em deficiências nutricionais significativas.
Como qualquer alimento preparado em casa, o sucesso da dieta depende do compromisso dos tutores em seguir as orientações, mas é comum que eles façam substituições de ingredientes e ajustes nas quantidades, comprometendo a qualidade do alimento fornecido aos animais de estimação. Alguns defensores da alimentação crua afirmam que as enzimas digestivas presentes nesse tipo de alimento aumentam a biodisponibilidade em comparação com aqueles que passam pelo processo de aquecimento (desnaturação proteica), tornando-os nutricionalmente superiores. Tutores que adotam essa dieta relatam também uma melhor palatabilidade, menor acúmulo de tártaro dentário devido à mastigação de ossos, pelagens mais brilhantes e a satisfação de oferecer um alimento mais natural. No entanto, ainda faltam estudos que comprovem essas evidências científicas (Freeman et al., 2013; Viegas et al., 2020).
Os ossos oferecidos aos animais com o objetivo de reduzir o acúmulo de tártaro dentário podem, na verdade, causar fraturas dentárias, além de apresentar riscos de obstrução esofágica ou intestinal e de provocar constipação.
Além disso, não há evidências científicas que comprovem a eficácia dos ossos na redução da formação dessas placas (WSAVA, 2021).
A ancestralidade é um tema amplamente discutido, especialmente em relação à capacidade limitada de canídeos selvagens de digerir carboidratos. Contudo, a seleção genética durante a domesticação dos cães levou a alterações na capacidade digestiva de amidos, permitindo a inclusão de alimentos com maiores teores de carboidratos (Freeman et al., 2013).
Uma das vantagens atribuídas à alimentação crua é sua maior palatabilidade. No entanto, de acordo com Treis et al. (2021), que realizaram testes de palatabilidade entre alimentos comerciais, cozidos e crus, 83% dos cães demonstraram preferencia ao alimento cozido.
Em outro estudo, citado por Freeman et al. (2013), gatos domésticos foram alimentados com dietas cruas por 10 semanas, o que resultou em um aumento significativo nos níveis de linfócitos e imunoglobulinas, em comparação com dietas cozidas. Contudo, a avaliação fecal desses gatos revelou a presença de bactérias patogênicas.
Estudos ao longo dos anos têm demonstrado altas taxas de bactérias patogênicas como E. coli, Campylobacter spp., Salmonella spp. e Yersinia spp., além da presença de resistência bacteriana. Essas pesquisas indicam que o consumo de dietas cruas aumenta a eliminação fecal de cepas multirresistentes, elevando os riscos de contaminação bacteriana tanto para cães e gatos quanto para os tutores que convivem com esses animais (Fredriksson-Ahomaa et al., 2017; Van Bree et al., 2018; Ramos et al., 2022). Em outro estudo, realizado por Viegas et al. (2020) em Minas Gerais, foram analisadas 46 amostras fecais de cães alimentados com dietas BARF. Os resultados revelaram uma maior propensão à positividade para Clostridium perfringens e Salmonella spp.. Quatro desses cães apresentaram diarreia durante o estudo, e cinco estavam em uso de antimicrobianos, o que aumenta as chances de resistência bacteriana.
Com base em diversos estudos, fica claro que os riscos de contaminação cruzada entre tutores e seus animais são uma questão de grande relevância. Pessoas com o sistema imunológico comprometido, como crianças, grávidas, idosos e indivíduos com condições de saúde preexistentes, podem estar mais suscetíveis a esses riscos, seja pela manipulação de alimentos ou pelo contato com as fezes dos animais. Além disso, os processos de congelamento, desidratação e liofilização não eliminam completamente as bactérias patogênicas presentes.
O fornecimento diário de alimentação crua é um tema polêmico, cercado por opiniões divergentes. No entanto, ainda carecemos de estudos científicos confiáveis que comprovem resultados positivos e vantagens a longo prazo desse tipo de dieta. A revisão de diversos artigos aponta uma preocupação significativa com a saúde tanto dos pets quanto de seus tutores, o que reforça a necessidade de comunicar claramente os riscos associados a essa prática.
O acompanhamento de um nutricionista veterinário ou zootecnista é essencial para garantir um planejamento nutricional adequado e orientar na escolha do melhor alimento para cada animal. Ainda assim, acredita-se que as desvantagens da dieta crua podem superar suas vantagens. Será que vale a pena adotar esse tipo de alimentação quando há opções mais seguras disponíveis no mercado?
Através dos atendimentos realizados em diversos pacientes, pude observar um número significativo de animais apresentando graves alterações gastrointestinais, frequentemente associadas à alimentação crua. Muitos desses tutores eram instruídos por meio de “cursos” amplamente disponíveis na internet sobre como preparar e montar a alimentação de seus animais, sem orientação ou avaliação de um profissional qualificado. Em termos de palatabilidade, os alimentos cozidos se mostram superiores, além de oferecerem maior flexibilidade na formulação, garantindo uma dieta completa, devidamente suplementada, mas sempre em acompanhamento periódico. Com base em evidências científicas, experiências práticas e nas opções disponíveis no mercado, podemos considerar a alimentação crua uma escolha inadequada para ser mantida diariamente na dieta de nossos pacientes. Além disso, é importante reconhecer que cães e gatos passaram por diversas alterações genéticas e adaptações ao longo do tempo, tornando esse tipo de dieta menos viável para suas necessidades atuais.
A nutrição moderna busca melhorar tanto a qualidade de vida quanto a longevidade desses animais, proporcionando uma alimentação mais equilibrada e adequada às suas condições evolutivas.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE PRODUTOS PARA ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO. Dados do mercado pet 2024. Disponível em: https://abinpet.org.br/wp-content/uploads/2024/03/abinpet_folder_dados_mercado_2024_draft2_web.pdf.

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    FREDRIKSSON-AHOMAA, M.; HEIKKILÄ, T.; PERNU, N.; KOVANEN, S.; HIELM-BJÖRKMAN, A.; KIVISTÖ, R. Raw meat-based diets in dogs and cats. Veterinary Sciences, v. 4, n. 3, p. 1-9, 2017.

    GŁÓWNY, D.; SOWIŃSKA, N.; CIEŚLAK, A.; GOGULSKI, M.; KONIECZNY, K.; SZUMACHER-STRABEL, M. Raw diets for dogs and cats: Potential health benefi ts and threats. Polish Journal of Veterinary Sciences, v. 27, n. 1, p. 151-159, 2024.

    RAMOS, C. P. et al. Fecal shedding of multidrug resistant Escherichia coli isolates in dogs fed with raw meat-based diets in Brazil.
    Antibiotics, v. 11, n. 4, p. 534, 2022.

    TREIS, C. F. et al. Uso de dietas BARF (Biologically Appropriate Raw Food) para cães: avaliação microbiológica do alimento e teste de palatabilidade. In: Anais da XIV Mostra Nacional de Iniciação Científica e Tecnológica Interdisciplinar (MICTI), v. 1, n. 14, p. 1, 2021.

    VAN BREE, F. P. J. et al. Zoonotic bacteria and parasites found in raw meat-based diets for cats and dogs. Veterinary Record, v. 182, n.
    2, p. 50, 2018.VIEGAS, F. M. et al. Fecal shedding of Salmonella spp., Clostridium perfringens, and Clostridioides diffi cile in dogs fed raw meat-based diets in Brazil and their owners’ motivation.

    PLOS ONE, v. 15, n. 4, p. e0231275, 2020.

    WORLD SMALL ANIMAL VETERINARY ASSOCIATION. Dieta à base de carne crua para pets: Ferramenta global de nutrição WSAVA. 2021.
    Disponível em: https://wsava.org/wp-content/uploads/2021/05/Raw-Mea-t-Based-Diets-for-Pets_WSAVA-Global-Nutrition-Toolkit-Portuguese.pdf.

    MV Larissa Marry Pchevuzinske
    Formada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2017);
    Residência em Doenças Infecciosas pela Unesp Botucatu (2020);
    Pós-graduação em Nutrição de Cães e Gatos pela Qualittas (2023);
    Médica-veterinária volante das unidades Pet Care São Paulo e autônoma