CONVERSAMOS COM ALGUNS VETERINÁRIOS QUE ATUAM NA MEDICINA DE FELINOS PARA ENTENDER COMO SE TEM DADO A EVOLUÇÃO DO ATENDIMENTO DESTE PET NAS CLÍNICAS
Por: Samia Malas
O crescimento do atendimento de felinos nas clínicas veterinárias é um fato que todo médico-veterinário que atua na área de pequenos animais tem percebido em sua rotina. E os números não nos deixam mentir. Segundo dados da Abinpet de 2022, o Brasil é o terceiro maior país do mundo quando o assunto é a população pet (perdemos apenas para os Estados Unidos e a China). São, atualmente, quase 160 milhões de animais de estimação no país. Os cães lideram o ranking, com 60 milhões de indivíduos; as aves vêm em segundo, com 40 milhões; e os gatos figuram em terceiro lugar, com 30 milhões. Uma pesquisa realizada pela Euro monitor International revela que o mercado brasileiro de cuidados com pets cresceu cerca de 86,4% entre os anos de 2016 e 2021 e, em âmbito global, o faturamento do setor foi de 139,2 bilhões de dólares em 2021, segundo dados da Abinpet.
O crescimento da população felina segue uma tendência mundial. Para se ter uma ideia do tamanho deste crescimento, a Dra. Susan Little, coproprietária de duas clínicas especializadas no atendimento em felinos em Ottawa, no Canadá, nos dá um exemplo: “há pouco mais de 60 anos foi publicado um artigo sobre tudo o que se sabia sobre a Medicina Felina na época no Canadian Veterinary Journal, e este artigo tinha apenas 10 páginas no total. Desde então a Medicina Felina tem crescido de forma progressiva na Medicina Veterinária. A primeira clínica especializada em felinos foi fundada em 1970, nos Estados Unidos”, disse a veterinária em artigo publico em 2016 na revista Veterinary Focus.
Para o Dr. Archivaldo Reche Junior, especialista em felinos pelo American Board of Veterinary Practitioners (ABVP), de São Paulo-SP, o crescimento desse pet é notável pela quantidade de atendimentos em clínica, que vem aumentando. “Hoje chegamos a atender quase mil gatos por mês. O tutor demora três ou quatro meses para marcar consulta. E isso não era assim antes. Então a população felina, de fato, está crescendo. Essa informação vem até dos fabricantes de ração que relatam vender mais rações para gatos do que vendiam. O crescimento tem sido maior na venda de rações para gatos do que para cães”, comenta o veterinário. De fato, historicamente, gatos sempre frequentaram menos os serviços veterinários por alguns motivos, tais como a crença popular de que gatos precisam de menos cuidados com a saúde (que conseguem cuidar de si mesmos) ou até mesmo pela maior aversão dos felinos em sair de sua zona de conforto, do seu território. Ainda segundo Dr. Archivaldo, as pessoas estão descobrindo o gato como animal de estimação. “Sabe aquele pensamento preconceituoso que tínhamos de que o gato é traiçoeiro, que gato não corresponde ao afeto? As pessoas estão descobrindo que os gatos não são assim. E esse é um dos motivos pelos quais as pessoas estão arrumando muitos gatos. Elas estão se apaixonando. Os gatos são apaixonantes. Quem diz que não gosta de gato é porque nunca teve um”, diz.
Dr. Pedro Horta realiza atendimentos exclusivos para felinos nas duas unidades do Hospital 4cats em São Paulo-SP, onde também é diretor geral, além de presidente do conselho científico da ABFel e professor convidado em cursos de pós-graduação especializados em felinos. Ele enfatiza que o número de felinos em lares tem aumentado e que isso pode ser comprovado por levantamentos do IBGE e da COMAC, que indicam um crescimento no número de todos os pets, sendo o aumento dos felinos superior ao dos cães. “Essa tendência é global. Em alguns países, a população de gatos já ultrapassa a de cães. No Brasil, ainda não alcançamos esse ponto, mas se a tendência atual continuar, em alguns anos teremos números equivalentes de cães e gatos”, aponta o médico-veterinário. Ainda segundo ele, com o crescimento urbano, inclusive em cidades menores, a verticalização e a redução dos espaços residenciais, além do fato de passarmos mais tempo fora de casa, fazem com que os gatos se tornem uma opção de animal de estimação mais atraente para os brasileiros. “Sua maior independência faz dos felinos os chamados ‘pets do futuro’”, enfatiza. Deste modo, os médicos-veterinários devem se atualizar e se especializar para atender felinos em clínicas veterinárias. “É essencial que os veterinários se dediquem a atender mais felinos, considerando o aumento da população desses animais nos lares e sua crescente importância na rotina clínica. Ampliar o atendimento a pacientes felinos contribuirá para elevar os padrões de cuidado, melhorar a qualidade de vida dos gatos e aumentar a satisfação dos tutores. Isso, por sua vez, pode impulsionar o movimento e o faturamento das clínicas veterinárias. Outro ponto positivo em atender felinos na clínica veterinária é a natureza dos tutores de gatos: embora sejam tradicionalmente vistos como mais difíceis, na realidade, são mais exigentes e informados sobre os cuidados necessários. Eles tendem a se educar mais sobre a saúde de seus animais de estimação, confiam nos profissionais médicos-veterinários e seguem as recomendações que lhes são dadas com precisão. Portanto, conquistar a confiança de um tutor de gato significa que os tratamentos e cuidados serão realizados com maior atenção e qualidade”, explica Dr. Pedro.
NOVIDADES E AVANÇOS
Com o crescimento dos felinos nos lares de todo o mundo, não somente do Brasil, a evolução do mercado de gatos em geral é inevitável, incluindo o que é realizado no meio científico, através de pesquisas, novos produtos e outros avanços. “Com o aumento do número de gatos, as inovações e atualizações têm ocorrido de forma mais rápida e frequente. Anteriormente, os gatos eram menos considerados em estudos, produtos e medicamentos em comparação aos cães – até mesmo as aulas de graduação focavam mais nos caninos. Embora essa ainda seja uma realidade, com uma oferta maior de procedimentos, produtos e estudos voltados para cães, houve uma grande melhoria para os felinos”, aponta Dr. Pedro, que ainda continua: “atualmente, dispomos de medicamentos novos para gatos que chegam ao mercado mais rapidamente, uma variedade maior de opções de rações e muitos exames exclusivos para felinos disponíveis. Isso se deve ao fato de que empresas e laboratórios têm reconhecido a demanda e o potencial de crescimento no segmento felino. Além disso, os tutores de gatos buscam cuidados mais específicos e estão dispostos a investir mais no bem-estar de seus pets”, aponta o Dr. Pedro Horta.
DESAFIOS DO SETOR
Embora a medicina felina tenha avançado significativamente e disponha de mais recursos atualmente, Dr. Pedro aponta que esta área ainda não alcançou o mesmo nível de desenvolvimento da medicina canina. “Existem mais estudos, medicamentos e exames específicos para cães. Além disso, há características próprias dos felinos que representam desafios: eles tendem a esconder sintomas, o que dificulta o diagnóstico precoce de doenças; há uma maior complexidade em administrar medicamentos a eles; e, muitas vezes, é mais difícil manuseá-los e realizar procedimentos clínicos devido ao seu comportamento independente”, lista Dr. Pedro.
ESPECIALIZAÇÃO EM MEDICINA FELINA
Para veterinários que anteriormente atendiam apenas cães, para começar a atuar na Medicina Felina é necessário se especializar. “Também devem buscar atualização constante, pois a área tem evoluído rapidamente com avanços significativos. É crucial compreender que felinos são uma espécie distinta, com necessidades e comportamentos específicos, e não simplesmente ‘cães pequenos’. Além do conhecimento técnico em medicina, é importante estar informado sobre as particularidades comportamentais dos felinos e adaptar-se às expectativas dos tutores, que geralmente são mais exigentes e atentos aos cuidados de seus pets”, revela Dr. Pedro.
CLÍNICA ADAPTADA AOS GATOS
Um conceito que tem se difundido pelo mundo e ganhado espaço no meio veterinário é o chamado cat friendly, ou seja, tornar um espaço, um manejo, um ambiente mais adequado e amigável para os felinos. E este conceito, claro, se estende para as clínicas veterinárias, antes adaptadas apenas para receber cães. Uma clínica acolhedora para gatos ou “Cat Friendly Practice”, é uma iniciativa da American Association of Feline Practitioners (AAFP) e da International Society of Feline Medicine (ISFM), que visa aumentar a frequência de consultas veterinárias para gatos, explica Dr. Pedro. “O projeto reconhece que, apesar do aumento de gatos como animais de estimação, a frequência de visitas ao médico-veterinário não acompanhou esse crescimento. Para incentivaras visitas, o programa sugere várias mudanças estruturais e de rotina nas clínicas, como salas de espera separadas para gatos, consultórios e áreas de internação exclusivas, controle de odores e ruídos, e uma seleção cuidadosa de cores. Uma opção quando não é possível a separação física dos espaços é estabelecer horários de atendimento exclusivos para gatos. O treinamento especializado para toda a equipe, abordando desde o transporte seguro dos felinos até o manejo durante a consulta para minimizar o estresse faz parte do programa. Essas medidas visam proporcionar um ambiente menos estressante para os gatos, aumentar a satisfação dos tutores e garantir que os veterinários se sintam mais confiantes e realizados profissionalmente”, finaliza Dr. Pedro.