GASTROENTEROLOGIA & NUTRIÇÃO VETERINÁRIA: ESPECIALIDADES TÊM CRESCIDO E GANHADO DESTAQUE

CONFIRA OPINIÃO DE PROFISSIONAIS DESTAS ÁREAS SOBRE NOVOS ESTUDOS, TRATAMENTOS, MERCADO E OUTROS ASPECTOS DESTAS ESPECIALIDADES

Por Samia Malas

Sintomas relacionados aos quadros gástricos e digestivos são comuns na rotina clínica, e um constante desafio aos médicos-veterinários, considerando que podem corresponder à uma diversidade de doenças em cães e gatos. Segundo dados do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), doenças gastrointestinais estão entre os mais importantes problemas de saúde dos pets. “Distúrbios gastrointestinais representam a terceira causa mais comum de consultas veterinárias e podem acometer pets de todas as idades. Muitos sintomas, no entanto, podem ser identificados pelos próprios tutores. É importante acompanhar os sinais para que o tratamento ideal possa ser oferecido. E, quanto mais cedo identificada a doença, maiores as chances de se ter sucesso no tratamento”, explica a médica-veterinária Ana Elisa Castro, que possui especialização em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais e Nutrição de Cães e Gatos e atua na área Científica da Royal Canin. “Uma maneira simples de avaliar a possibilidade de ocorrência de problemas gastrointestinais é observar as fezes do pet. Embora não seja anormal notar pequenas variações, um desvio persistente na forma, cor, consistência e/ou presença de sangue ou muco, deve ser relatado ao profissional que está fazendo seu acompanhamento médico. As fezes de gatos e cães saudáveis costumam ter aspectos bem definidos, deixando pouco resíduo no chão quando recolhidas”, reforça Ana Elisa.

Maria Carolina Pappalardo é mestranda na Universidade de São Paulo (USP), atua como coordenadora da equipe de gastroenterologia Pet Care, é responsável pelo serviço de gastroenterologia Vet Unitty e Ufape São Paulo, coordenadora da pós-graduação de gastroenterologia veterinária Ufape intercursos e diretora científica da Associação Brasileira de Gastroenterologia Animal (ABRAGA). Segundo a veterinária, nos últimos 5 anos o crescimento do segmento de Gastroenterologia tem sido grande e rápido. “As doenças relacionadas ao trato gastrointestinal são frequentes, pacientes com vômitos e diarreia crônicas. O diagnóstico diferencial é muito grande, variam de alterações hormonais, imunomediadas, alimentares e infecciosas”, revela.

Dr. Franz Naoki Yoshitoshi, é presidente do Colégio Brasileiro de Endoscopia e Videocirurgia Veterinária (CBEVV), diretor da Associação Nacional dos Médicos Veterinários (ANMV),associado da ABRAGA e proprietário da Endoscopet Medicina Veterinária. Segundo ele, não podemos falar do setor de gastroenterologia veterinária sem trazer alguns fatos históricos. “Há mais de 10 anos, os levantamentos em hospitais mostravam uma grande procura nas clínicas e hospitais para tratar de animais com queixa de vômito e diarreia. Isso se refletia nos congressos, quando o Prof. Pedro Camargo, pioneiro em gastroenterologia, dava suas palestras e as salas ficavam lotadas de estudantes para ouvir suas dicas em gastroenterologia. Lembro que as pessoas chegavam a sentar no chão por não ter mais espaço nas salas. Tudo isso mostrava a tendência e possível necessidade de especialistas em gastro, mas na época, o mercado ainda não estava maduro e os poucos veterinários que atendiam gastroenterologia eram vistos como idealizadores. O passo seguinte foi a criação de cursos de formação em gastroenterologia. Lembro que eu iniciei um desses cursos e o curioso era que a sala estava lotada e a metade dos alunos eram veterinários que trabalhavam já com endoscopia. O passo seguinte foi a criação, pelos poucos médicos-veterinários que eram especializados em gastroenterologia, da ABRAGA em novembro de 2021, tendo a Maria Carolina Pappalardo como presidente. Com a criação desta entidade e a concentração de grandes formadores de opinião, o tema gastroenterologia foi disseminado para os quatro cantos do país. Com o tempo, os clínicos perceberam que muitas das doenças do trato alimentar eram complexas, que o omeprazol e metronidazol não eram a solução para os pets com vômito e diarreia. Hoje esta comunidade ganhou força e peso, e todos os cursos de especialização em gastroenterologia estão lotados”, detalha Dr. Franz.

Dr. Fabio Alves Teixeira é médico-veterinário com residência em Nutrição e Nutrição Clínica pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, mestre e doutor em Ciências pela FMVZ/USP, coordenador do curso de pós-graduação Lato Sensu em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos – Anclivepa-SP, docente da Faculdade Anclivepa, e membro fundador da Sociedade Brasileira de Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos do Colégio Brasileiro de Nutrição Animal e da NutricareVet. Segundo ele, ambas as áreas, a de Gastroenterologia e Nutrição Veterinária têm crescido muito nos últimos anos. “Inclusive, a Nutrição Veterinária do Brasil é um dos expoentes neste cenário de desenvolvimento científico da nutrição de cães e gatos no mundo”, acrescenta o veterinário, que atribui esse crescimento com a percepção dos tutores de que a alimentação é um dos fatores fundamentais para a manutenção da saúde dos animais. “Consequentemente isso impulsiona a indústria a buscar o desenvolvimento de produtos cada vez melhores e investir em Ciência. Como o Brasil está entre os países com maior população de pets, a indústria nos vê como um local de desenvolvimento de tecnologias e produtos”, explica. Ainda segundo Dr. Fabio, a Nutrologia de cães e gatos também é uma área que tem tido grande crescimento. “Nela, o veterinário utiliza as ferramentas da nutrição e do entendimento de metabolismo, para participar do diagnóstico e do tratamento de doenças. A aplicação deste conhecimento também se aplica na prevenção de doenças”, revela. Dr. Fabio, cuja principal linha de pesquisa une três áreas (Nutrição, Endócrino e Gastro), também percebe crescimento na aérea de gastroenterologia, principalmente com a ascensão de ferramentas que auxiliam na investigação da microbiota intestinal. “Além disso, a especialidade é bem recorrente na rotina clínica. Com o grande número de profissionais que existe na medicina veterinária houve a necessidade de uma maior especialização na área da Gastro”,opina. Ainda segundo Dr. Fabio, as doenças bem mais comuns na área de gastroenterologia são as enteropatias crônicas, quadros de diarreia e vômitos que duram por mais de 3 semanas. “Há muito estudo acontecendo nesta área e produtos sendo desenvolvidos, mas ainda não temos tratamentos inovadores, está tudo ainda muito em pesquisa”, diz.
Para Carla Maion, médica-veterinária pós-graduada em Nutrição de Cães e Gatos pela Qualittas e responsável pelo Instagram: @vet_nutri, a área de nutrição veterinária para pequenos animais tem experimentado um crescimento expressivo, impulsionado pela crescente conscientização dos tutores sobre a importância de uma alimentação adequada para a saúde e longevidade dos pets. “Estudos recentes indicam um aumento na adoção de nutrição personalizada, que considera as necessidades específicas de cada animal. Além disso, há uma demanda crescente por alimentos de alta qualidade e formulações específicas para condições de saúde particulares”, explica Carla. Ainda segundo ela, uma das inovações mais notáveis no segmento é o desenvolvimento de dietas terapêuticas e funcionais. “A importância dessa inovação reside no fato de que uma nutrição adequada pode melhorar significativamente a qualidade de vida dos animais, reduzir a necessidade de medicamentos e diminuir a frequência de intervenções invasivas”, diz.

DOENÇAS MAIS COMUNS
Dr. Franz aponta que uma das doenças mais comuns observada no atendimento de gastroenterologia é a enterite crônica, chamada também de doença intestinal inflamatória. “O diagnóstico é feito por um conjunto de exames laboratoriais, endoscopia e exames de imagem por ultrassonografia. O tratamento inicial é feito por dietas formuladas para este tipo de doença. Também podemos citar as colites e destas destacam-se as colites ulcerativas, e tumores como o linfoma intestinal e o adenocarcinoma. Os casos emergenciais como corpos estranhos também são muito comuns no dia a dia da gastroenterologia e através da endoscopia podemos remover esses objetos perigosos quando estiverem no esôfago ou estômago, mas quando o objeto já estiver no intestino, a indicação é a cirurgia”, diz o médico-veterinário.
Entre as doenças mais frequentes em cães na área de nutrição veterinária, Carla Maion destaca a obesidade, doenças renais crônicas e alergias alimentares. “Em gatos, as doenças mais comuns são a obesidade, doenças do trato urinário inferior e doenças renais crônicas. Os tratamentos disponíveis incluem dietas terapêuticas específicas, controle rigoroso da alimentação, suplementos nutricionais e, em alguns casos, medicamentos para controlar sintomas ou prevenir complicações”, acrescenta. 

EXAMES E TRATAMENTOS
Segundo Maria Carolina os exames mais utilizados em Gastro variam de acordo com doença e região alvo. “Mas podem ser utilizados exames laboratoriais, ultrassom, tomografia ou endoscopia para o auxílio do diagnóstico”, diz. Ainda de acordo com ela existe uma variedade de rações medicamentosas para auxílio no tratamento de doenças entéricas, pancreáticas, gástricas e hepáticas. “O tratamento das doenças relacionadas ao trato gastrointestinal depende do diagnóstico assertivo, que pode variar desde o uso de vermífugos a imunossupressores, dependendo da causa da doença. As doenças hepatobiliares também são comuns em cães e gatos”, acrescenta.
Segundo Dr. Fabio, para diagnóstico de quadros gastrointestinais e endócrinos, como eles causam alteração no metabolismo todo, podem ser feitos desde os exames mais básicos como o hemograma, até os mais específicos, como testesendócrinos. “Porém, há algo muito importante a ser pontuado aqui. Na Nutrição nós não nos baseamos em exames para determinar a alimentação dos animais. Muitas vezes até o veterinário, o Gastro, o Endócrino e o tutor vão querer fazer exames para entender a situação nutricional do pet, mas o entendimento nutricional é muito mais baseado no histórico alimentar do paciente do que em resultados de exames”, enfatiza.
Para Dr. Franz, a endoscopia, sem dúvidas, é o melhor exame para avaliar a saúde do trato alimentar dos animais de estimação, mesmo que o mais usado seja o ultrassom, por ser prático e obter muitas informações pertinentes à saúde do trato alimentar dos pets. “Temos também exames mais complexos como de glutograma que é um raio-x em movimento para observar o deslocamento do alimento pelo esôfago ao estômago e a tomografia para avaliar todo o abdômen. Não podemos esquecer também do raio-X que pode detectar inúmeras doenças do trato alimentar. A laparoscopia diagnóstica também está cada vez mais sendo indicada para coleta de biópsia através de pequenas incisões”, lista o médico-veterinário.
Já Carla Maion aponta que no setor de exames para a área de nutrição da Medicina Veterinária, os mais atuais e utilizados incluem análises de sangue para avaliar parâmetros bioquímicos, testes de intolerância alimentar e análises fecais para estudar a microbiota intestinal. “Ferramentas avançadas como a metabolômica e a genômica nutricional estão sendo exploradas para proporcionar uma compreensão mais detalhada das necessidades nutricionais individuais”, acrescenta a médica-veterinária.

ESTUDOS EM ALTA
Hoje, Maria Carolina aponta que o estudo da microbiota intestinal está em alta. “Sua importância para o entendimento de doenças gastroentéricas é essencial. Além de sua relação com outros órgãos formando eixos, como intestino-cérebro, intestino-pele. Ainda são necessários muitos estudos relacionados a isso, mas já sabemos que o impacto do desequilíbrio da microbiota intestinal é sistêmico. E seu equilíbrio pode melhorar o prognóstico de doenças, assim como diminuir o uso de medicações. Para isso, o avanço do uso do alimento adequado, com auxílio de probióticos, simbióticos, prebióticos tem sido importante para a melhora da qualidade vida dos pacientes”, explica. Ainda segundo Maria Carolina, as áreas estudadas pela gastroenterologia englobam doenças esofágicas, gástricas, intestinais, anais, pancreáticas e hepatobiliares.“Todas elas carecem de atenção. Precisamos aumentar as possibilidades de exames para diagnóstico, descobrindo marcadores séricos que minimizem o uso de exames mais invasivos e aumentem a possibilidade de diagnóstico”, diz.
Dr. Fabio concorda que a avaliação de microbiota intestinal é uma grande novidade, pois ela está inserida num contexto de diversas doenças. “A nutrição interfere na microbiota, as doenças interferem na microbiota, e a microbiota interfere no metabolismo, que é controlado pelas questões endócrinas. Existem laboratórios crescendo balizados na avaliação da microbiota intestinal”, acrescenta. Outro grande desenvolvimento na área de Nutrição e Gastro citado por Dr. Fabio é o de alimentos coadjuvantes, que vêm aumentando o leque de possibilidades e facilitando o tratamento nutricional de cães e gatos em diferentes doenças. “Algo que vem sendo muito estudado na Nutrição são os melhores pró e prébióticos, componentes que serão utilizados para a melhora da saúde intestinal. Resumindo, o que é muito estudado é a questão da saúde intestinal, o desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico focado na microbiota e na melhoria da saúde intestinal”, revela.
Carla Maion aponta que além da microbiota intestinal, outras áreas bastante estudadas atualmente na nutrição veterinária são a nutrição preventiva e a nutrição clínica para doenças crônicas (como doenças renais e hepáticas). “No entanto, há áreas de estudo que ainda necessitam de maior atenção, como a nutrição de animais idosos e a formulação de dietas para animais com múltiplas condições de saúde coexistentes”, comenta. “Pesquisas recentes estão explorando o papel da microbiota intestinal e da genética na obesidade, o que pode levar a abordagens mais personalizadas para tratamento e prevenção”, acrescenta a médica-veterinária.

DESAFIOS DA NUTRIÇÃO VET
Entre os desafios enfrentados pelos profissionais da área, Carla destaca a necessidade de constante atualização diante das novas descobertas científicas. “Formular dietas balanceadas que atendam às necessidades específicas de diferentes espécies e condições de saúde é complexo. Além disso, a demanda por alimentos naturais e sustentáveis exige inovação contínua na produção e formulação de alimentos”, opina Carla.
Já Dr. Fabio lembra que a questão da microbiota intestinal tem sido um desafio aos profissionais de Gastro e Nutrição. “É um contexto muito novo, de difícil entendimento, um conteúdo bem robusto para ser entendido. Então, tem sido um grande desafio entender a microbiota intestinal e como trabalhar bem com ela no dia a dia”, diz Dr. Fabio.

USO DE ALIMENTAÇÃO CASEIRA
O uso de alimentações caseiras balanceadas também é uma opção que vem sendo utilizada no tratamento de algumas doenças, aponta Maria Carolina. “Porém, para isso, o gastroenterólogo precisa do auxílio do nutrólogo veterinário para acompanhamento nutricional. O nutrólogo além de balancear o alimento, fará a suplementação correta individualizada para cada caso”, diz.
Carla Maion também enxerga um crescimento deste tipo de alimentação para pets, que tem ganhado popularidade entre veterinários e tutores, sendo cada vez mais recomendada em clínicas veterinárias. “É frequentemente indicada para animais com alergias alimentares, doenças inflamatórias intestinais e em programas de perda de peso. A alimentação natural é vista como uma opção que pode proporcionar benefícios significativos à saúde, incluindo melhor digestibilidade e menos aditivos químicos”, diz.
Porém, Dr. Fabio ressalta que embora a alimentação caseira ou alimento não convencional vem crescendo bastante na rotina, pois alguns tutores e veterinários acreditam que ela seja mais saudável, a comunidade que estuda a Nutrição Animal não a enxerga como mais saudável, pois ainda não existe nenhuma evidência científica de que com ela o pet teria menos doenças e maior longevidade. “Mas elas vêm sendo muito prescritas para animais que têm mais de uma doença, por exemplo, alergias que precisam de controle alimentar mais restrito ou doenças que não existe um alimento coadjuvante para ela. Vale reforçar que o alimento dito como natural, se não for muito bem formulado, acompanhado por um profissional que saiba manejar este tipo de alimentação, pode trazer malefício. É bem recorrente encontrarmos na rotina clínica animais com deficiências nutricionais graves, com alterações neurológicas, nos ossos, na pele, por deficiência de nutrientes. Já atendi pacientes comendo quinoa com filé mignon, com deficiências semelhantes aos que comem restos de comida em casa. A nutrição não é somente dar ingredientes selecionados, mas sim em quantidades certas e de maneira adequada”, alerta.

MERCADO DE TRABALHO
Para Maria Carolina o mercado de trabalho na área ainda não está saturado, pois o número de casos é grande no segmento. Porém, ainda não há prova para especialista. “A  Associação de Gastroenterologia foi fundada há cerca de 4 anos. Para os próximos anos, estamos trabalhando para termos nossa primeira prova de título”, diz. “A gastroenterologia como especialidade ainda é nova no país e está no processo de criar um título de especialista pelo CFMV”, finaliza Dr. Franz.