Por TAVARES, Denise Cláudia; SGANZELA, Raíssa Helena de Almeida
O número de lares que possuem gatos como animais de estimação tem aumentado expressivamente atualmente.¹ Segundo o CENSO PET IPB (2022)² essa população teve um aumento em torno de 6% entre os anos de 2020 e 2021, sendo considerado o maior aumento entre as diversas espécies de pets; O aumento no número de cães foi em média de 4%.²
Em 2021 existiam 149,6 milhões de animais de estimação no país, representando um aumento de 3,7% em relação ao ano anterior. Desse número, os gatos representavam 27,1 milhões, ficando atrás dos cães (58,1 milhões) e das aves canoras (41 milhões).² Devido ao aumento de lares com felinos domésticos houve uma demanda de atendimento médico veterinário especializado, já que, ao menos uma vez, os gatos experimentam estímulos dolorosos.
A dor, segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP – Internacional Association for the Study of Pain)³ é “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada ou semelhante a uma lesão tecidual real ou potencial”, ou seja, é uma experiência multidimensional psicológica e/ou emocional desagradável, que pode ou não estar associada a uma lesão física, e que pode ser alterada por meio de experiências envolvendo o medo, estresse e memórias negativas.⁴–⁵
No passado acreditava-se que o controle da dor poderia mascarar os sinais clínicos e a avaliação do paciente, sendo benéfica para restringir a locomoção dos animais, principalmente no período pós-operatório.
Atualmente, sabe-se que essa conduta desrespeita o bem-estar animal e a ética profissional do médico veterinário.⁶
A dor é única para cada indivíduo, e mesmo em pacientes verbais, como os humanos, é difícil avaliar a forma como a dor é sentida. Em animais– pacientes não verbais – que não podem detalhar sua dor, é necessário observar os sinais comportamentais, as causas e as situações que geram dor; além disso, o fato de não se comunicarem verbalmente não indica que o indivíduo não esteja sentindo dor.⁴
REVISÃO DE LITERATURA
Na avaliação clínica podemos considerar a dor como o quinto sinal vital, associado à temperatura corporal, pulso, respiração e pressão arterial.⁶ Sabe-se que a dor pode provocar grandes transtornos na saúde, pois junto a ela ocorre a liberação de adrenalina, aumento de glicemia e demais processos álgicos, além de influenciar o bem-estar, a atitude e o apetite dos pacientes; e, portanto, o seu tratamento é imprescindível para a recuperação clínica do animal.⁶, ⁴
Conforme a figura 1 o bem-estar animal pode ser influenciado positivamente ou negativamente por cinco domínios, que são: nutrição, ambiente, saúde, comportamento e estado mental; entretanto a dor pode impactar negativamente sob esses cinco domínios, ou seja, se há dor, não pode haver bem-estar.⁵
Quando comparado aos cães, o tratamento da dor em gatos sempre foi negligenciado, e deve-se isso à dificuldade na avaliação do comportamento da dor em felinos.⁷–⁸ Os gatos escondem a dor como um mecanismo de proteção, apresentando apenas pequenas alterações sutis no comportamento, que podem passar despercebidas tanto pelos tutores quanto pelos médicos veterinários.⁹ Além do mais, os comportamentos de medo e de estresse também são parecidos ao da dor e podem ser difíceis de serem distinguidos.⁹,⁴
A rotina e o ambiente em que o animal está também influencia em seu comportamento e saúde. Locais calmos, confortáveis, sem fatores estressantes e com possibilidade de se esconder, caso necessário – como em caixas de transporte ou de papelão, visto nas figuras 2 e 3 – são importantes e ajudam no tratamento da dor, já que há uma melhor resposta do animal ao tratamento.¹
Fonte: Hospital Veterinário Popular Pet
Fonte: Hospital Veterinário Darabas
Apesar de não serem fidedignos em gatos devido ao medo, estresse e uso de fármacos, o aumento da pressão sanguínea e das frequências cardíaca e respiratória, assim como a medição de cortisol e catecolaminas, são indicativos clínicos e bioquímicos que podem auxiliar na avaliação da dor do animal, concomitantemente com alterações comportamentais, como apatia, anorexia, vocalização aumentada ou diminuída, tendência ao isolamento, agressividade, lambedura excessiva ou redução no comportamento de higiene, imobilidade, contração do abdome, posição anormal, alteração no sono etc.⁶, ¹⁰ Embora a alteração dos parâmetros fisiológicos estar associada à dor aguda, ela não deve ser um método exclusivo de avaliação da dor.¹⁰
A dor pode ser classificada em aguda ou crônica. A primeira ocorre devido a estímulos dolorosos químicos, térmicos e/ou mecânicos, tem curta duração e é sentida 0,1 segundo após o estímulo doloroso. Pode ser controlada com fármacos analgésicos e ocorre no tempo de inflamação e cura e pode durar até três meses.
Já a dor crônica ocorre devido a um estímulo doloroso repetitivo e pode durar mais de três aseis meses.¹, ¹¹ Seu tratamento envolve a associação de analgésicos e outras classes farmacológicas,¹² podendo ainda ser utilizado outros tratamentos não farmacológicos, como a acupuntura, que normalmente é bem aceita pelos gatos.¹
Evangelista et al. (2019)¹³ descobriram que os felinos mudam a posição dos olhos, orelhas, bigodes, focinho e cabeça quando estão com dor e então criaram a Escala de Careta Felina (Feline Grimace Scale), que possibilita avaliar facilmente a dor, observando as expressões faciais, e classificá-la em ausência, moderadamente presente ou presente, conforme as figuras apresentadas nesse estudo.⁸
Fonte: Feline Grimace Scale
Fonte: Feline Grimace Scale
A expressão facial pode sofrer alterações indicativas de dor, porém essas alterações podem indicar apenas mudanças de comportamento e de humor e não necessariamente de dor, e por essa razão é extremamente importante conhecer o comportamento normal de cada paciente e o contexto em que se insere.⁹,⁶,⁴
CONCLUSÃO
A avaliação da dor é complexa e desafiadora e há a necessidade de associar diversas respostas comportamentais, hormonais e metabólicas para resultar em uma avaliação mais precisa quanto à presença e intensidade da dor.
É importante que o observador seja sempre o mesmo, para que não haja divergências nas avaliações entre diferentes observadores; assim como fazer avaliações constantes para analisar se houve melhora ou piora do quadro.¹¹
Também é importante realizar uma boa anamnese, pois pela complexidade dos sinais, muitas vezes apenas o tutor é capaz de observar sinais de dor em seus animais.¹¹
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. SANTOS, A.P.M. Dor aguda em gatos. 2012.69 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
2. CENSO PET IPB. Com alta recorde de 6% em um ano, gatos lideram crescimento de animais de estimação no Brasil. Jul. 2022. Disponível em:<https://institutopetbrasil.com/fique-por-dentro/amor-pelos-animais-impulsiona-os-negocios-2-2/>. Acesso em 11 out. 2023.
3. IASP – Internacional Association for the Study of Pain. IASP announces revised definition of pain. Jul, 2020. Disponível em:<https://www.iasp-pain.org/publications/iasp-news/iasp-an-nounces-revised-definition-of-pain/>. Acesso em 10 out. 2023.
4. VITORINO, L. Reconhecimento e mensuração clínica da dor aguda nos felinos domésticos: revisão de literatura. 2018. 54 f. Monografia (Trabalho de conclusão de curso) – Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, Brasília.
5. MONTEIRO, B.P. et al. Diretrizes da WSAVA de 2022 para reconhecimento, avaliação e tratamento de dor. Journal of Small Animal Practice, 2022.
6. VIANA, D.A.M. et al. Avaliação da dor em felinos: uma breve revisão. 2018. 5 f. Monografia (Iniciação Científica) – Universidade Federal do Pampa, Santana do Livramento.
7. BRONDANI, SP.L. et al. Validade e responsividade de uma escala multidimensional para avaliação da dor pós-operatória em gatos. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 64, n. 6, p. 1529-1538, 2012.
8. OGOSHI, R.C.S. et al. Relação entre homem e gato: identificação do estresse fisiológico e do sofrimento felino. Revista Inclusiones – Revista de Humanidades Y Ciencias Sociales, v. 9, n. 3, p. 301-331, 2022.
9. MCKUNE, C.; ROBERTSON, S. Analgesia. In: LITTLE, S.E. O Gato. Rio de Janeiro: Roca, 2015, p. 145-150.
10. VITORINO, A. et al. A dor no cão e no gato: classificação e abordagem diagnóstica multifatorial. 2018. 10 f. Monografia (Unidade curricular) – Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora.
11. ALEIXO, G.A.S. et al. Tratamento da dor em pequenos animais: fisiopatologia e reconhecimento da dor (revisão de literatura: parte I). Medicina Veterinária (UFRPE). Recife, v. 10, n. 1-4, p. 19-24, 2016.
12. CORRÊA, J.M.X.; COSTA, B.A.; LAVORM.S.L. Dor crônica em cães e gatos: como se desenvolve e quais os principais tratamentos. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer, Goiânia, v. 14, n. 25, p.1951-1967, 2017.
13. EVANGELISTA, M.C., et al. Facial expressions of pain in cats: the development and validation of a Feline Grimace Scale, 2019. Disponível em: <https://pt.felinegrimacescale.com/>. Acesso em 28 set. 2023
Denise Cláudia Tavares
Mestre em Cirurgia Veterinária e doutora em Medicina Veterinária – Reprodução Animal pela Unesp. Docente das disciplinas de Ginecologia e Obstetrícia Veterinária, Reprodução Animal, Embriologia, Semiologia de Grandes Animais e Introdução a Medicina Veterinária da UNIP, Campus Bauru. Desde 2020 faz parte do quadro de docentes da FATESA, ministrando a disciplina de radiologia veterinária.
Raíssa Helena de Almeida Sganzela
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Faculdade Anhanguera (2014). Ingressou em agosto de 2020 na sua segunda graduação, Medicina Veterinária, na Universidade Paulista – UNIP, Campus Bauru, onde tem participado de diversos debates e estágios com foco em pequenos animais. Tem uma vasta experiência em gatos domésticos, espécie que pretende se dedicar profissionalmente.