Por: ¹BRUM, Rodrigo Pereira, ²SANTOS, Gabrielly Ferreira; ¹AZEVEDO, Rafaella Mendes.
1 Médico(a) Veterinário(a) autônomo(a); 2 Residente do Programa de Cardiologia e Doenças Respiratórias da UFRRJ;
ESTENOSE PULMONAR EM CÃES – REVISÃO DE LITERATURA
PULMONIC STENOSIS IN DOGS – LITERATURE REVIEW
Palavras chave: cardiopatia congênita; cirurgia; estenose pulmonar
Abstract
Pulmonary Stenosis (PS) is one of the three main congenital cardiac pathologies observed in dogs. It is a congenital valve malformation that causes partial obstruction of the blood flow outflow tract in the right ventricle, with a higher incidence in male and young dogs. Breeds predisposed to PS are: English Bulldog, Beagle, Miniature Schnauzer, Terrier Boxer, Chihuahua, Cocker Spaniel and Golden Retriever. Echocardiographic examination is the most indicated for the accurete diagnosis of PS. The most effective treatment for PS is baloon valvuloplasty, but in some cases the use oh beta-blockers is observed. Although the results oh valvuloplasty in the short term are considered favorable, in the long term the information is insufficient.
Revisão de Literatura
A estenose pulmonar (EP) é uma das três principais doenças cardíacas congênitas observada em cães1,2. É caracterizada por uma malformação congênita valvar que causa obstrução parcial da via de saída do fluxo sanguíneo no ventrículo direito, sendo sua maior incidência, principalmente em cães machos e jovens3,4. As raças Bulldog Inglês, Schnauzer miniatura, Beagle, Terriers, Boxer, Chihuahua, Golden Retriever e Cocker Spaniel, apresentam predisposição a esta doença1,5.{PAYWALL_INICIO}
A EP é classificada, de acordo com o posicionamento da malformação em supravalvular, valvular (tipo A ou B) e subvalvular. A mais frequente é do tipo valvular¹ que pode incluir combinações de hipoplasia valvar, espessamento dos folhetos da valva ou separação incompleta comissural e assimetria dos folhetos valvulares³. As consequências, independente da natureza e localização estenótica, está na dificuldade na saída do fluxo sistólico do ventrículo direito, levando a um aumento da pressão sistólico ventricular direita se o fluxo se mantiver constante6.
Alguns pesquisadores citam que ocorre uma sobrecarga de aumento da pressão ventricular direita e consequente desenvolvimento de hipertrofia concêntrica ventricular direita5,7. Dessa forma, o gradiente de pressão é a medida utilizada para classificar a gravidade da lesão por estar diretamente relacionado com o volume de fluxo sanguíneo na zona de obstrução e pela área da obstrução.
A fisiopatogenia da doença progride com hipertrofia concêntrica ou hiperplasia gerados pelo aumento do stress da parede ventricular direita durante a sístole. Inicialmente, esta hipertrofia ventricular direita compensatória normaliza a função sistólica e mantém o volume de ejeção nos limites normais8. Progressivamente, o ventrículo direito hipertrofiado leva a uma redução da complacência ventricular na fase diastólica e dificuldade de enchimento, podendo acarretar em uma regurgitação secundária da valva atrioventricular direita5. Dessa forma, a ocorrência do enchimento ventricular torna-se, majoritariamente, na sua forma ativa, sendo observado presença de pulso jugular6. Quando prolongado, pode comprometer a irrigação coronária direita com provável ocorrência de arritmias e morte súbita9.
A redução do volume de ejeção acarreta consequente diminuição do débito cardíaco, sendo possível notar, em alguns pacientes, taquicardia compensatória, o que dificulta ainda mais o enchimento ventricular5. Devido a diminuição do gasto cardíaco direito, há uma diminuição do ventrículo esquerdo secundariamente, nos casos de estenose pulmonar moderada a severa. O ventrículo esquerdo apresentará uma pseudo-hipertrofia concêntrica devido a falta de estiramento das fibras musculares.
A insuficiência cardíaca congestiva (ICC) direita raramente ocorre em pacientes com apenas estenose pulmonar. A mesma ocorrerá em casos de estenose pulmonar severa com elevada pressão atrial direita, concomitante a uma regurgitação tricúspide secundária a hipertrofia ventricular direita; ou displasia tricúspide10,11 ou ainda shunt juntamente com mudanças dentro do ventrículo. Quando a pressão atrial direita é superior a 15 mmHg ocorrerá os sinais de ICC direita (efusão pleural, ascite e distensão jugular).
Há dois tipos de acometimento da EP valvular: tipo A é resultante da fusão de comissuras das cúspides (FIGURA 1) devido a um espessamento leve a moderado das mesmas, atribuindo-as uma forma cónica ou em forma abobada com trato de saída estreito12. Em casos raros, o anel da válvula pulmonar e tronco pulmonar são hipoplásicos13.
A EP valvular, tipo B, apresenta um espessamento das cúspides com hipoplasia anular sem fusionamento das comissuras6. Há, também, um tipo de EP intermediário que combina as alterações morfológicas entre os tipos A e B14.
A subvalvular há presença de um anel fibroso localizado na base da válvula, geralmente concomitante a deformidades desta última, ou poderá estar abaixo da válvula em um anel subvalvular6. Já a supravalvar é rara em cães e já foi descrita em um cão da raça West Highland White Terrier15.
Animais compensados podem não apresentar sintomatologia clínica, sendo a estenose pulmonar geralmente descoberta através da ausculta de um sopro cardíaco sistólico em topografia de base cardíaca esquerda, no terceiro espaço intercostal. O sopro é causado pela passagem turbulenta de sangue pela região estenosada durante a sístole ventricular direita, sendo ejetado para a artéria pulmonar. Já animais com progressão da doença, podem apresentar sinais clínicos clássicos de insuficiência cardíaca congestiva direita, tais como: ascite, intolerância ao exercício, hepatomegalia e síncopes10,12.
O exame ecocardiográfico é o mais indicado para o diagnóstico preciso de estenose pulmonar3. Hipertrofia concêntrica de ventrículo direito, dilatação pós-estenótica de artéria pulmonar, retificação de septo interventricular devido à alta pressão ventricular direita, o deslocando para a esquerda e aumento de câmaras direitas (átrio e ventrículo) são alterações que podem ser observadas com a utilização do modo B e modo M6, 10.
A utilização do modo Doppler, permite a visualização do fluxo turbulento, determinando com precisão a localização da estenose e a velocidade do fluxo sanguíneo local. Deste modo, a estenose pode ser classificada em leve (velocidade entre 2,25 à 3,5m/s e gradiente entre 20 à 49mmHg), moderada (velocidade entre 3,5 à 4,5m/s e gradiente entre 50 à 80mmHg) e importante (velocidade acima de 4,5m/s e gradiente acima de 80mmHg)5.
Pacientes com estenoses leves a moderadas sem repercussão clínica, geralmente não são tratados, porém recomendam-se reavaliações periódicas com ecocardiografia a fim de acompanhar a evolução das repercussões hemodinâmicas5.
O uso de beta-bloqueadores visa reduzir a demanda por oxigênio do miocárdio e aumento na perfusão coronariana mediante redução na frequência cardíaca, podendo reduzir também, a obstrução dinâmica na via de saída do ventrículo direito. Tais efeitos auxiliam na prevenção de taquiarritmias e na redução de insuficiência miocárdica ventricular direita. A redução da obstrução dinâmica de via de saída é importante para animais que serão submetidos à valvuloplastia pulmonar por balão. Nesses casos, o Atenolol é indicado na dose inicial de 0,2-0,5mg/kg a cada 12 ou 24 horas12.
A valvuloplastia por balão foi descrita pela primeira vez em 1982, sendo citada por muitos autores como uma técnica benéfica no tratamento de estenoses pulmonares moderadas à graves5, 15.
Esta técnica é realizada com a implantação de um cateter cardíaco especial, sendo deslocado no sentido da valva estenosada, e um balão localizado no final do cateter é inflado. É de suma importância a escolha correta do tamanho do balão para cada tipo de valvuloplastia. Recomenda-se que seja utilizado um balão com 120% do diâmetro do ânulo da valva estenosada5,13. Após a valvuloplastia, geralmente não são necessários outros procedimentos intervencionistas13.
Tanto cães assintomáticos quanto sintomáticos, com estenose moderada à grave, foram beneficiados pela intervenção cirúrgica. Apesar de os resultados a curto prazo serem considerados favoráveis, com redução do gradiente de pressão pulmonar e sintomatologia clínica em cerca de 50% e com taxa de mortalidade transoperatória de menos de 5%, a longo prazo a informação é insuficiente7.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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11 MADRON, E.; CHETBOUL, V.; BUSSADORI, C. ClinicalEchocardiographyofthe Dog and Cat. Elsevier Health Sciences, 2015
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13WINTER, R.L.; RHINEHART, J.D.; ESTRADA, A.H.; MAISENBACHER, H.W.; SCHOBER, K.E.; BONAGURA, J.D.; BUSSADORI, C.M.; CLARETTI, M.; NGUYENBA, T.P.; SCANSEN, B.A. Repeatballoonvalvuloplasty for dogs withrecurrentorpersistentpulmonarystenosis. JournalofVeterinaryCardiology; 2021; 34, 29-36, 2021.
14LOCATELLI C, SPALLA I, DOMENECH O, SALA E, SALA E, BRAMBILLA PG, BUSSADORI C. Pulmonicstenosis in dogs: survivalandriskfactors in a retrospectivecohortofpatients. J SmallAnimPract; 54:445 e 52, 2013.
15 TRESEDER E JUNG. Ballondilationof congenital supravalvularpulmonicstenosis in a dog: case report. J VetSci 2017, 18(1), 111-114, 2017.
NOTAS E ABREVIAÇÕES
EP – Estenose Pulmonar
ICC – Insuficiência Cardíaca
Rodrigo Pereira Brum
Veterinário Autônomo Membro da equipe Vet Cordis serviço de Cardiologia Veterinária/RJ desde 2011. Formado em Zootecnia – UFRuralRJ – 2004.Mestrado em Nutrição Animal – UFRuralRJ – 2006. Formado em Medicina Veterinária – UNESA – 2009. Ecocardiografia pelo CETRUS/SP – 2012. Pós-Graduação em Cardiologia Veterinária – Anhembi Morumbi – 2016.
Atual Presidente da Regional Rio de Janeiro da SBCV. Atual Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Cardiologia Veterinária – UFAPE.
Rafaella Mendes Azevedo
Médica-veterinária autônoma. Formação: universidade Estácio de Sá, turma 2019.
Pós-graduanda em cardiologia pela Anclivepa-SP.
Curso de Ecocardiografia –Goldfeder e dos Santos e Vet Cordis. Curso de Eletrocardiografia – Equallis. Curso de eletrocardiografia e ecocardiografia voltado para o intensivismo.
Gabrielly Ferreira Santos
Médica-veterinária autônoma. Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense, 2020. Residente do 1° Ano do Programa de Residência em Cardiologia e Doenças. Respiratórias da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2021.
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