Persistência do ducto arterioso: atualizações

Por Rodrigo Pereira Brum

Persistência do ducto arterioso: atualizações

Entre as cardiopatias congênitas mais comuns em cães de pequeno porte, a PDA, raramente acomete gatos e exige intervenção cirúrgica

A persistência do ducto arterioso (PDA) está entre as cardiopatias congênitas mais comuns em cães de pequeno porte, raramente acometendo gatos. Estudos recentes mostram maior predisposição de fêmeas para a doença. Dentre as raças mais predispostas estão Spitz Alemão, Chihuahua, Poodle, Maltês, Yorkshire Terrier, Pastor de Shetland, Bichon Frisé e Springer Spaniel Inglês (BUCHANAN, 2001; FOSSUM, 2014).

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A oclusão total do ducto deve ocorrer de 48 horas a um mês após o parto decorrente da diminuição da pressão pulmonar, aumento da pressão sistêmica, inibição de prostaglandinas vasodilatadoras com consequente cessação do fluxo sanguíneo dentro do vaso (GOODWIN, 2002; BROADDUS & TILLSON, 2010; ASSUMPÇÃO et al., 2012).

Existem duas formas de apresentação do PDA; a forma clássica, na qual a resistência vascular pulmonar tem seu parâmetro fisiológico normal, ocorrendo desvio do fluxo sanguíneo da esquerda (Ao) para a direita (AP), caracterizando o shunt esquerda-direita. E a forma reversa, onde a resistência vascular pulmonar se igualou ou se sobrepôs à resistência vascular sistêmica, observando-se o desvio de sangue da direita (AP) para a esquerda (Ao), caracterizando o shunt direita-esquerda (PARRA, 2008).

A principal consequência do PDA clássico é a dilatação e hipertrofia da câmara ventricular esquerda, decorrente de sobrecarga volumétrica no ventrículo esquerdo (VE). Este processo de remodelamento de câmara ventricular esquerda, levará à distensão do anel valvar mitral, acarretando em falha na coaptação dos folhetos valvares e consequente refluxo mitral, que se manifestará através do sopro de maquinaria contínuo, mais audível durante a sístole e com intensidade reduzida durante a diástole  (GOODWIN, 2002; STOPIGLIA et al., 2004).

Em quadros de PDA reverso, observa-se policitemia secundária em resposta à elevação da eritropoetina decorrente da severa hipoxemia crônica, aumentando a viscosidade do sangue, podendo ter como consequência um quadro de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) direita e a formação de trombos. Além disso, em alguns casos pode ser observada a cianose na metade caudal do corpo, principalmente vista na mucosa vaginal e peniana, devido ao fato de o ducto persistente se localizar caudalmente ao tronco braquicefálico e artéria subclávia esquerda, considerando que o desvio de sangue será direcionado para os referidos vasos (STOPIGLIA et al., 2004).

A sintomatologia do PDA clássico ocasionalmente cursa com tosse, dispneia, cansaço e intolerância ao exercício. Porém alguns animais podem manter-se assintomáticos durante um período de tempo (STOPIGLIA et al., 2004; SIQUEIRA FILHO et al., 2012).

Durante o exame físico, na ausculta de tórax, observa-se o sopro contínuo em “som de maquinaria” mais audível na base esquerda do coração. As mucosas se mantêm normocoradas, tornando-se cianóticas apenas quando um quadro de insuficiência ventricular e consequente edema pulmonar está instaurado. O pulso femoral é forte e hipercinético, também denominado “pulso em martelo d’água” (STOPIGLIA et al., 2004).

Animais com quadro de PDA reverso cursam com quadro de sincope, dispneia, intolerância ao exercício, apatia e incoordenação motora decorrentes da hiperviscosidade sanguínea, que na microvascularização acarreta em hipóxia cerebral e de outros tecidos (BONAGURA, 2002). Ao contrário do que é observado no PDA clássico, durante a ausculta de tórax, não se percebe a presença de sopro; nestes casos pode se notar o desdobramento de segunda bulha. Em casos raros nota-se sopro diastólico como um sinal de insuficiência pulmonar decorrente de hipertensão pulmonar. Além disso, animais com PDA reverso apresentam cianose na metade caudal do corpo como diagnóstico diferencial, mucosas oral e ocular normocoradas (STOPIGLIA et al., 2004).

Além dos achados do exame físico, alguns exames complementares possibilitam o fechamento do diagnóstico de PDA, tais como radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecodopplercardiograma, angiografia e exames laboratoriais (PARRA, 2008).

O ecodopplercardiograma possibilita verificar a presença de outras cardiopatias associadas, além de observar aumento atrial esquerdo, dilatação e hipertrofia ventricular esquerda, dilatação de AP, aumento na velocidade de ejeção aórtica e fluxo turbulento contínuo e retrógrado na AP, além de discreto à moderado aumento de velocidade de fluxo aórtico (normalmente maior que 2,5m/s), e dilatação do anel valvar mitral, levando à uma insuficiência mitral secundária à sobrecarga volumétrica de VE. Pode-se observar fração de encurtamento normal ou diminuída que pode estar relacionada com o aumento do volume de sangue do lado esquerdo do coração (KITTELSON; KIENLE, 1998; PARRA, 2008).

Figura 1 (à esq.): AP: artéria pulmonar; DA: ducto arterioso.
Figura 2: shunt do PDA esquerda-direita

O PDA é comumente tratado por correção cirúrgica (dissecção ductal padrão com dupla ligadura, técnica de Jackson-Henderson ou clipes hemostáticos) ou por oclusão intravascular por meio da cateterização, como Embolization coils, Amplatz vascular plug, Amplatz duct occluder e Amplatz canine duct occluder (ACDO) (FOSSUM, 2014).

As técnicas de cateterização vem sendo muito relatadas, pois têm como vantagem não depender de toracotomia, demandando poucos cuidados pós-operatórios e reduzindo o tempo de recuperação dos pacientes (GLAUS et al., 2003).

Nos casos de PDA reverso, a correção cirúrgica não é recomendada devido ao fato de o ducto arterioso persistente estar servindo como uma válvula de escape da AP, e caso seja ligado, pode gerar graves consequências hemodinâmicas, tais como hipertensão, promovendo dilatação de estruturas, aumento de tensão, risco de rompimento e consequente hemorragia, levando o animal à óbito (FOSSUM, 2014).

Segundo Goodwin (2002), o índice de sucesso das cirurgias para correção de PDA é de 95%, não revelando risco significativo em cães mais velhos. Com exceção dos animais com PDA reverso, todos os cães diagnosticados com PDA devem ser tratados cirurgicamente o mais rápido possível, assim que se obtiver o diagnóstico da anomalia (PARRA, 2008). Nos casos não corrigidos cirurgicamente, o quadro tende a evoluir para ICC esquerda, edema pulmonar e hipertensão pulmonar (STOPIGLIA et al., 2004).

Para os casos de cães com PDA reverso, estima-se sobrevida de dois à cinco anos casos sejam tomados os devidos cuidados referentes à manutenção do hematócrito em valores entre 62-68% (BONAGURA, 1992).

Referências bibliográficas:

BONAGURA, J.D. Moléstia cardíaca congênita. In: ETTINGER, S.J. Tratado de medicina interna veterinária: moléstias do cão e gato. São Paulo: Manole, p.1026-1082, 1992.

BUCHANAN, J.W. Patent Ductus Arteriosus Morphology, Pathogenesis, Types and Treatment. Journal of Veterinary Cardiology, v.3, n.1, p.7-16, 2001.

BROADDUS, K.D.; TILLSON, D.M. Patent Ductus Arteriosus in Dogs. Compendium: Continuing Education for Veterinarians, p.1-14, 2010.

FOSSUM, T.W. Cirurgia do Sistema Cardiovascular. In:.Cirurgia de Pequenos Animais. São Paulo: Rocca, 2014. cap.28, p.2455-2469.

FOX, P.R.; SISSON, D.; MOISE, N.S. Congenital Heart Disease, In:. Canine and Feline – Cardiology- Principles and Clinical Pratice. Filadélfia: Saunders, 1999. p.505-513.

GOODWIN, J.K. Cardiopatias Congênitas. In:. TILLEY, L.P.; GOODWIN, J.K. Manual de Cardiologia para Cães e Gatos. São Paulo: Roca, 2002. cap.14, p.259-267.

HADDAD, J. et al. Oclusão Percutânea da Persistência do Canal Arterial. Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, v.13, n.3, p.206-218, 2005.

KITTLESON, M.D.; KIENLE, R.D.Persistência do Ducto Arterioso. In:. Small Animal Cardiovascular Medicine. Califórnia: Mosby, 1998. cap.12, p.218-230.

PARRA, A.C. Persistência do ducto arterioso. 2008. 53f. (Conclusão de curso de Medicina Veterinária) – Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2008.

SIQUEIRA FILHO, R.S. et al. Persistência clássica do ducto arterioso em cadela. Ciência Veterinárias nos Trópicos. Recife, v.15, n.1/2/3, p.57-64, 2012.

STOPIGLIA, A.J. et al. Persistência do ducto arterioso em cães: revisão. Revista Educação Contínua. CRMV-SP. São Paulo, v.7, n.1/3, p.23-33, 2004

Rodrigo Pereira Brum

Rodrigo Pereira Brum

CRMV-RJ: 10246
Graduado em Medicina Veterinária pelo UNESA.
Mestrado em Nutrição animal pela UFRuralRJ.
Pós graduado em Cardiologia Veterinaria pela Anhembi Morumbi.

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