HEMIMELIA DE RÁDIO E TÍBIA EM GATO – RELATO DE CASO

Imagem de TyliJura por Pixabay

Por: Hugo Salvador Oliveira* (Oliveira, H.S.), Luana Marques Cordeiro Kunzler (Kunzler, L.M.C.), Eduarda Elvira Joaquim (Joaquim, E.E.).

*Autor para correspondência

 

RESUMO

Hemimelia ou agenesia é o termo usado para a alteração morfológica, que ocasiona a ausência de um determinado osso, onde para o diagnóstico é necessário a realização do exame radiográfico e quando possível para um melhor entendimento a tomografia computadorizada é um excelente exame complementar para o caso. O presente relato visa descrever os principais achados radiográficos e tomográficos de hemimelia em um felino jovem.

Palavras-chave: Hemimelia, gatos, agenesia, radiografia, TC

ABSTRACT

RADIUS AND TIBIA HEMIMELIA IN A CAT – CASE REPORT

Hemimelia or agenesisis the term used for the morphological change that causes the lack of a bone. For diagnosis, x-rays are necessary and when possible, for a better understanding, computed tomography is an excellent form of diagnosis. The present report aims to describe the main radiographic and tomographic findings of hemimelia in a young feline.

Key-words: Hemimelia, Cats, agenesis, radiographic, CT

  1. INTRODUÇÃO

Hemimelia ou agenesia é o termo usado para a alteração morfológica que ocasiona a falta de um osso, podendo ser do esqueleto apendicular³. Em felinos, a hemimelia radial é a mais relatada, sendo comum também em ratas, cabras, galinhas e cães9. Sua origem é ainda desconhecida, podendo estar relacionado com fatores hereditários, desordem cromossômica, manifestações teratogênicas como vacinas, uso de drogas, insulinoterapia e desnutrição materna².

A hemimelia em ossos pareados pode ser classificada em pré-axial e pós-axial, quando há agenesia total ou parcial de osso medial ou lateral, respectivamente5. Alterações concomitantes podem ser observadas, como número alterados ou fusão de costelas e/ou vértebras, cardiomegalia, polidactilia7. A alteração é observada após o nascimento e apresenta alteração angular e encurtamento do membro, deformidade vara, calo de apoio, dificuldade de amplitude de movimento e atrofia muscular5.

Apesar das alterações visíveis dos membros, não há relatos de dor ou complicações incompatíveis com a vida2. O diagnóstico é obtido através de exames de imagem, como radiografia ou tomografia computadorizada, onde é observado a agenesia completa ou incompleta do osso, desvio angular do membro, luxação de carpos ou tarsos9, encurtamento muscular4,engrossamento do osso pareado presente e há relatos de esclerose de epífises8.

O tratamento é definido de acordo com a clínica do paciente, sendo já descrito sobre artrodeses, reconstrução do membro e enxerto ósseo autógeno2, imobilização por bandagem de Robert-Jones11, amputação em casos unilaterais ou tratamento conservativo5. Casosjá relatados indicam sucesso no tratamento de eleição, com a manutenção da qualidade de vida do paciente e expectativa de vida dentro do esperado para a espécie4.

O presente trabalho tem por objetivo relatar um caso de agenesia de rádio e tíbia, ambos do lado direito, em um felino de 10 meses de idade na cidade de Florianópolis, Santa Catarina. O diagnóstico foi obtido através da radiografia e aprofundado para estudo mais detalhado através da tomografia computadorizada a fim de relatar maiores alterações.

2. RELATO DE CASO

Um felino sem raça definida (SRD), fêmea de aproximadamente 10 meses de idade deu entrada no hospital veterinário para exame ultrassonográfico encaminhado por colega veterinário, porém no atendimento foi questionado a tutora sobre a alteração morfológica visível em membros torácico e pélvico do lado direito, onde a mesma relatou que “sempre” foi assim e que não havia realizado nenhum exame para avaliação.

A paciente retornou ao hospital para a realização de procedimento cirúrgico (ovariosalpingohisterectomia eletiva) e foi então solicitado a tutora para aproveitarmos a anestesia e então realizarmos os exames de imagem (radiografias e tomografia computadorizada) nos membros, para melhor entendimento das alterações.

Primeiramente foram realizadas as radiografias nas projeções mediolateral e craniocaudal, com extrema dificuldade devido à grande atrofia muscular já presente no paciente, não sendo possível a completa extensão do membro, principalmente o torácico para a realização do exame radiográfico.

No membro torácico nota-se a ausência da estrutura óssea do rádio não sendo caracterizada nenhuma porção óssea, apresentando também uma ulna com diminuição no seu tamanho quando comparado com o habitual. Observado também acentuado desvio angular de aspecto procurvatum, não caracterização da linha de crescimento em epífise proximal, uma incongruência articular na região de carpo e apresentando um aspecto de congruência habitual na incisura troclear da ulna com os côndilos umerais, porém sem a cabeça do rádio para completar a articulação. Nota-se também um aumento de volume em tecidos moles na extensão da porção de membro em estudo (Figura 1).

Figura 1: Imagem radiográfica do membro torácico direito: A demonstrando a ausência de rádio e acentuado desvio angular da ulna e em B demonstrando a congruência articular e a falta de caracterização da linha de crescimento epifisário (Arquivo pessoal).

No membro pélvico nota-se ausência da estrutura óssea da tíbia, porém com pequena porção amorfa, parcialmente delimitada, de radiopacidade osso, medindo aproximadamente 0,8cm, em sobreposição ao côndilo femoral lateral (Figura 2).

Figura 2: Imagem radiográfica do membro pélvico direito demonstrando ausência da tíbia com presenta de sobreposição em côndilo femoral lateral de radiopacidade osso (Arquivo pessoal).

Também é caracterizado aspecto irregular da fíbula com diminuição no seu tamanho comparado com o habitual, desvio varus importante e não sendo caracterizado linha de crescimento na epífise cranial. Apresenta também uma incongruência articular junto a articulação femorotibiopatelar e de aspecto irregular junto a articulação társica. Na projeção craniocaudal nota-se no membro pélvico direito em estudo um acentuado arrasamento acetabular com discreto remodelamento ósseo da cabeça e colo femoral e com grau de cobertura acetabular ausente (Figura 3).

Figura 3: Imagens radiográficas do membro pélvico direito: A – Projeção mediolateral demonstrando ausência da estrutura óssea da tíbia, acentuado desvio angular e diminuição no tamanho da fíbula. B – Projeção craniocaudal demonstrando incongruência articular importante e alteração degenerativa em coxofemoral
(Arquivo pessoal).

A tomografia computadorizada foi utilizada principalmente para melhor avaliação das estruturas ósseas envolvidas, principalmente avaliando a porção articular e também com a possibilidade de reconstrução 3D para melhor entendimento das alterações acima descritas.

Foi realizado a tomografia multislice com 1,2cm de espessura com 0,625cm de incremento, com varredura do membro torácico direito em toda sua extensão (escápula a dígitos) e do membro pélvico direito em toda sua extensão (pelve a dígitos).

Os achados tomográficos do membro torácico direito são semelhantes aos encontrados na radiografia e acima descritos, evidenciando melhor a congruência da incisura troclear (Figura 4).

Figura 4: Imagem tomográfica em reconstrução no plano sagital, janela óssea, evidenciando incisura troclear ulnar junto aos epicôndilos umerais (Arquivo pessoal).

Os achados tomográficos do membro pélvico seguem os mesmos achados também já relatados na porção radiográfica acima descrita, sendo melhor delimitado a estrutura óssea em sobreposição ao côndilo femoral lateral, apresentando aspecto amorfo, sem plano de separação evidente junto ao côndilo femoral, se estendendo de aspecto irregular, podendo ser caracterizado como fragmento tibial pelas presentes circunstâncias. Nota-se também um formato amorfo e alongado da patela, apresentando linha hipoatenuante regular na porção mais distal, linha de crescimento em epífise proximal da fíbula, não caracterizado na radiografia (Figura 5).

Figura 5: Imagens tomográficas do membro pélvico direito, janela óssea, em reconstruções multiplanares: A – Reconstrução coronal evidenciando estrutura óssea amorfa sem plano de separação com o côndilo femoral lateral. B – Reconstrução sagital evidenciando a patela e linha hipoatenuante em terço distal
(Arquivo pessoal).

Com a reconstrução 3D conseguimos exemplificar melhor os desvios angulares importantes do membro torácico (Figura 6) e membro pélvico (Figura 7).

Figura 6: Reconstrução 3D do membro torácico direito, evidenciando a ausência do rádio, acentuado desvio angular e alterações nas conformações ósseas e articulares envolvidas (Arquivo pessoal)
Figura 7: Reconstrução 3D do membro pélvico direito em diferentes vistas evidenciando a ausência da tíbia, o acentuado desvio anatômico e alteração na conformação óssea fibular (Arquivo pessoal).

3. DISCUSSÃO

Na literatura existe um número maior de relatos de hemimelia em rádio quando comparado a mesma alteração em tíbia. Em 1979, Arnbjerg relatou um caso de má formação da tíbia esquerda em um gato doméstico, onde havia apenas uma pequena porção proximal do osso, causando desvios angulares e aumento de tamanho nos demais ossos do membro. Em 2019, foi relatado por Landim (et al.) um caso de má formação tibial bilateral, onde o pai do felino em questão também apresentava a mesma alteração angular.

O diagnóstico por meio da radiografia convencional é o exame mais relatado nos estudos publicados. Porém, a avaliação dos membros através da tomografia computadorizada permite um melhor detalhamento de todas as estruturas envolvidas, visto que pode haver sobreposição óssea10.

4. CONCLUSÃO

O presente relato teve como objetivo a descrição radiográfica e demonstração tomográfica dos achados de hemimelia em um felino, salientando a importância dos exames de imagem tanto para confirmação diagnóstica como para estadiamento e possível tratamento, utilizando principalmente de técnicas avançadas e equipamentos capazes de reconstrução multiplanar 3D facilitando o entendimento tanto do clínico solicitante quanto dos tutores.

5. Referências

1 ARNBJERG, J. Congenital partial hemimeliatibia in a kitten. Zentral blattfür Veterinärmedizin ReiheA,v. 26, n. 1, p. 73-77, 1979.

2 BEZHENTSEVA, A.; et al. Bilateral radial agenesis in a cat treated with bilateral ulnocar palarthrodesis. Veterinary and Comparative Orthopaedics and Traumatology, v. 31, n. 05, p. 379-384, 2018.

3 CARNEVALI, T. R. et al. Hemimelia em Felinos-relato de quatro casos. I Simpósio Nacional de Diagnóstico por Imagem em Medicina Veterinária, 2010.

4 DA SILVA PERES, Thalita Priscila et al. Hemimelia bilateral de rádio em canino–relato de caso. Semina: Ciências Agrárias, v. 34, n. 5, p. 2381-2385, 2013.

5 FERREIRA, M. P. et al. Agenesia bilateral de rádio em felino (Feliscatus domesticus) – relato de caso. Clín. Vet., p. 36-40, 2012.

6 LANDIM, C. P. et al. Hemimelia parcial tibial bilateral em felino: relato de caso. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP, v. 17, n. 1, p. 71-71, 2019.

7 LOCKWOOD, A.; MONTGOMERY, R.; MCEWEN, V. Bilateral radial hemimelia, polydactyly and cardiomegaly in two cats. Veterinary and Comparative Orthopaedics and Traumatology, v. 22, n. 06, p. 511-513, 2009.

8 MAKINO, Hérica et al. Hemimelia parcial unilateral de rádio em felino. Acta Scientiae Veterinariae, v. 44, p. 1-4, 2016.

9 MURCIANO PÉREZ, José et al. Agenesia de radioen una gata. Clínica veterinaria de pequenos animales, v. 19, n. 1, p. 0047-50, 1999.

10 PEREIRA, Carolina FN; PEDROSA, Nayara F.; XAVIER, Viviana F. HEMIMELIA UNILATERAL INTERCALAR PRÉ-AXIAL DO OSSO RÁDIO EM CÃO–RELATO DE CASO. Sinapse Múltipla, v. 10, n. 1, p. 99-101, 2021.

11 TOWLE, H. A. M.; BREUR, G. J. Dysostoses of the canine and feline appendicular skeleton. Journal of the American Veterinary Medical Association, New York, v. 225, n. 11, p. 1685-1692, 2004.

Hugo Salvador Oliveira
Graduado em Medicina Veterinária pela UDESC em 2010;
Residência em Diagnóstico por Imagem pela FMVZ-UNESP – Botucatu;
Mestrado e Doutorado em Biotectologia Animal – Ênfase em Diagnóstico por Imagem pela FMVZ-UNESP – Botucatu;
Atualmente atuando como veterinário imaginologista (RX, US e Tomografia Computadorizada) pelo Hospital Santa Vida na Grande Florianópolis.

Luana Marques Cordeiro Kunzler
Graduada em Medicina Veterinária pela Unisul de Itajaí-SC;
Pós-graduada em Diagnóstico por Imagem de pequenos animais pela Faculdade Quallitas, Núcleo Florianópolis-SC;
Atualmente atuando com serviços de ultrassonografia volante e telerradiologia na região do Vale do Itajaí

Eduarda Elvira Joaquim
Formada pela Universidade do sul de Santa Catarina – UNISUL;
Pós-graduanda: Quallitas, Núcleo Florianópolis-SC;
Atualmente trabalhando: na empresta Imagempet, com radiologia e ultrassonografia.