HOSPITAIS VETERINÁRIO ABREM O JOGO SOBRE OS PRINCIPAIS DILEMAS E DESAFIOS NA UTI

FIZEMOS A PERGUNTA PARA OS HOSPITAIS VETERINÁRIOS DO NOSSO RANKING TOP 100 DE 2022. CONFIRA O QUE ALGUNS DELES RESPONDERAM

Foto: Tippapatt/iStock

Por: Samia Malas

A Medicina Veterinária Intensiva no Brasil, regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária desde 2006, tem sua origem na criação da Academia Brasileira de Medicina Veterinária Intensiva em 2003 (BVECCS), que foi o movimento inicial para a implementação da emergência e cuidados intensivos no país. Desde então, houve grande avanço, mas os médicos-veterinários que atuam na área ainda enfrentam desafios importantes. A seguir, alguns hospitais referência no Brasil e que fazem parte do nosso ranking Top 100 de 2022, compartilharam um pouco sobre os desafios que enfrentam no dia a dia de uma UTI.
 

CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL E REGULAMENTAÇÃO DO SETOR
“A falta de regulamentação específica para UTIs veterinárias é um dos desafios. Com o crescimento de serviços especializados como a telemedicina, diagnóstico por imagem e laboratórios, a necessidade de regulamentação se tornou urgente para garantir a qualidade do atendimento. Além disso, é fundamental que os profissionais sigam uma trajetória de formação sólida, incluindo certificações importantes, como o ‘ABC Cuidados Intensivos’ oferecido pela LAVECCS, que prepara médicos-veterinários com um treinamento específico para cuidar de internações com pacientes graves. O fortalecimento dos programas de pós-graduação Lato Sensu em Medicina Veterinária Intensiva também são essenciais para que os profissionais estejam à altura das demandas do paciente grave. A Academia Brasileira de Medicina Veterinária Intensiva (www.bveccs.com.br), desempenha um papel vital para garantir que eles sigam o caminho adequado na construção e gestão de uma UTI veterinária. É necessário entender que não basta apenas contar com equipamentos de última geração; a qualidade do atendimento intensivo está diretamente relacionada à competência dos profissionais que operam essas unidades. Assim como na medicina humana, o sucesso da terapia intensiva na veterinária exige regulamentações claras, certificações adequadas e uma formação contínua e especializada. Portanto, para que o Brasil avance na área de cuidados intensivos veterinários, é essencial unirmos esforços em prol da qualificação dos recursos humanos. Somente com equipes certificadas e bem treinadas será possível elevar o nível de excelência das unidades de cuidados intensivos, garantindo a melhor qualidade de atendimento ao paciente grave”, diz Rodrigo Rabelo, do Intensivet, de Belo Horizonte-MG.

INTERNAÇÃO SEMI-INTENSIVA: DESAFIOS
“A internação semi-intensiva veterinária é uma área essencial para o manejo de pacientes que necessitam de monitoramento contínuo, mas que não estão em condições tão críticas quanto os pacientes de UTI. Os desafios e dilemas que vejo nesta área são:
• Manter a equipe treinada e qualificada para atender os pacientes com diferentes níveis de necessidade;
• Decidir sobre o momento certo de transferir/encaminhar o paciente da internação semi-intensiva para a UTI;
• Manter os responsáveis pelos pacientes bem-informados sem causar pânico ou expectativas irreais;
• Os custos podem impactar na decisão dos tutores/responsáveis em manter o paciente internado. Acreditamos que a chave para superar tais desafios está na capacitação da equipe, na criação de protocolos de atendimentos baseados em evidências, na comunicação eficiente entre todos os envolvidos e ter uma boa estrutura hospitalar, que é um pilar fundamental para o bom funcionamento de uma instituição de saúde”, diz Mariane Rela Arakaki, Diretora Clínica do Hospital Veterinário Clinicão & Gato, de Jundiaí-SP.

QUANDO ENCAMINHAR PARA A UTI?
“Na minha rotina, o que vejo de maior desafio é a indicação tardia para os cuidados intensivos. A maioria dos pacientes chega até nós após muitos dias de internação e já passaram por diversas abordagens clínicas. É um trabalho que nós, da área, deveríamos ter, de informar e instruir adequadamente os colegas do timing correto para encaminhar o paciente. Focar os esforços de forma mais precoce possível poupa financeiramente o tutor e garante um sucesso terapêutico maior. E isso leva ao maior dilema, até onde prosseguir com os esforços? Temos poucos estudos na veterinária com prognóstico de pacientes críticos, e isso piora quando esse paciente está sob ventilação mecânica. A experiência e o conhecimento técnico fazem toda a diferença na tomada de decisão nesse cenário que vivemos quase que diariamente”, aponta Thiago Saloto Abreu Rezende, intensivista e anestesista no Climev, de Vitória-ES.

UTI: UM AMBIENTE DESAFIADOR PARA O VET
Dra. Carolina Meirelles, do Inova, de Sorocaba-SP: “Um dos maiores dilemas é lidar como sofrimento dos tutores, que envolve não só questões financeiras, mas também a insegurança em tomar decisões e o luto antecipatório. Acompanhar essa dor e oferecer suporte emocional para a família é uma das partes mais importantes do nosso trabalho. Outro grande desafio é encontrar profissionais capacitados, tanto tecnicamente quanto emocionalmente. Trabalharem um ambiente de terapia intensiva exige uma combinação de habilidades técnicas e inteligência emocional. Além disso, a UTI é um local de luta intensa pela vida, onde, apesar de não salvarmos todos os pacientes, cada vida que conseguimos salvar traz uma mudança significativa na vida de todos os envolvidos.”

Dra. Ana Cristina Costacurta, do Inova, de Sorocaba-SP: “O setor da internação, especialmente na UTI, é um ambiente desafiador. Estamos constantemente imersos em emoções intensas, lidando com a vida dos nossos pacientes, o que traz um peso enorme e, ao mesmo tempo, um propósito profundo para todos nós. É fundamental que, como veterinários, nos dediquemos ao máximo e cultivemos um amor genuíno pelo nosso setor. No entanto, é crucial também sabermos quando parar e recarregar as energias. Os dilemas na UTI, como decisões difíceis sobre tratamento, o acompanhamento das condições críticas e o suporte emocional às famílias, são reais. Precisamos estar prontos para enfrentar essas situações, mantendo a empatia e a compaixão, tanto pelos pacientes quanto por nós mesmos”.

EQUIPE QUALIFICADA, IDENTIFICAR OS QUADROS COM BREVIDADE, CONSEGUIR ACOLHER AS FAMÍLIAS E SE ACOLHER
“Um dos maiores desafios é ter uma boa mão-de-obra no beira-leito para o cuidado intensivo. A missão do gestor é identificar profissionais que saibam como fazer, o que fazer e em que velocidade fazer. Embora se fale muito sobre intensivismo, nem todos têm formação e prática na área. Montar a equipe do Veros com essas características levou 2 anos.
Outro desafio é identificar de forma cada vez mais precoce a chance de sobrevivência para sinalizar as famílias com clareza e alinhar expectativas. E é preciso ter muito cuidado quando se percebe que as chances de sobrevivência são mínimas, porque as famílias, muitas vezes, não querem desistir. E quando você diz isso sem muita empatia e clareza, a família pode entender que a equipe está desistindo do paciente.
Outro ponto é que hoje os médicos-veterinários no Brasil são alvo da mesma cobrança de qualidade técnica que se faz sobre um médico humano, mas têm salários de enfermeiros e escolheram ser médicos-veterinários porque amam os bichos. A combinação de uma cobrança rigorosa com salários baixos e um vínculo com o paciente que não se vê na medicina humana é extremamente desgastante para esses profissionais. Eles ficam exaustos física e emocionalmente e ainda têm que lidar com a dor dessas famílias, que nunca se prepararam para perder seus ‘filhos’. Ninguém está pronto para perder um filho. E é assim hoje, porque as famílias multiespécie têm filhos que morrem antes. Em resumo: ter médicos capacitados tecnicamente e saudáveis emocionalmente para que possam apoiar as famílias de paciente críticos e que saibam lutar com todos os recursos disponíveis pela vida desse animais é o desafio da UTI”, diz Dra. Sílvia Corrêa, Diretora Clínica no Hospital Veterinário Veros, de São Paulo-SP.

CAPACITAÇÃO, ALTO CUSTO E ENCAMINHAMENTO TARDIO
“Os desafios de uma UTI veterinária começam já na dificuldade de se encontrar médicos-veterinários com conhecimento e habilitados para trabalhar em UTI. Atualmente, a escassez de mão-de-obra impacta muito em manter uma UTI veterinária. Outro gargalo é o custo operacional para a realidade veterinária, chegando a valores bem altos, dificultando a aderência dos proprietários em utilizar o serviço dentro dos hospitais veterinários.
Porém, o maior dilema ainda, no meu ponto de vista, é a maioria dos médicos-veterinários ainda encaminharem pacientes para a UTI quando o estado do animal está muito grave ou em estado terminal, assim os proprietários chegam aos serviços já desacreditados”, aponta Dr. Michel Gavioli de Souza, Administrador do Clinicare, de Bauru-SP.

UTI: UMA EXPERIÊNCIA DESAFIADORA E GRATIFICANTE
“Trabalhar em uma UTI é uma experiência desafiadora e gratificante, marcada por dilemas éticos e profissionais. Sem dúvidas, o maior desafio é lidar constantemente com pacientes em estado crítico, onde se faz necessário tomar decisões importantes em emergências, demandando não só habilidades técnicas, mas também a capacidade de trabalhar em equipe e sob pressão. Lidamos diariamente não só com os aspectos médicos de nossos pacientes, mas também com seus tutores, que muitas vezes estão fragilizados e precisando de apoio emocional. Tudo isso leva a um grande desafio de desenvolver uma equipe que seja capaz de responder prontamente a estes dilemas. Com muito custo e trabalho, aqui no Hospital Veterinário Polipet conseguimos uma equipe capacitada e comprometida, trabalhando com amor e dedicação, utilizando protocolos e abordagens atualizadas a fim de obter os melhores resultados para cada paciente e, por consequência, ajudar a melhorar a experiência do paciente e seus tutores em um momento tão delicado.
E por fim, trabalhar em um ambiente de alta complexidade como a UTI exige não só habilidades técnicas e a busca por novos conhecimentos e atualizações, mas também uma profunda sensibilidade ética e empatia”, aponta Yara Komatsubara Carbonaro Ricci, responsável pelo setor de internação e UTI do Polipet, de Mogi das Cruzes-SP.

CADA DIA NA UTI É UMA BATALHA PARA SALVAR VIDAS
“Na rotina da UTI veterinária enfrentamos diversos desafios que demandam uma abordagem cuidadosa e ágil. Entre eles, destacam-se lidar com situações complexas, onde em muitos casos, por mais que haja investimento, a resposta do paciente é lenta, ou então, não há resposta, e o paciente evolui progressivamente para o óbito (ainda que todos os recursos sejam implantados).
A comunicação transparente com os tutores, que muitas vezes precisam tomar decisões difíceis sob pressão emocional e financeira, é outro grande desafio. Além disso, lidar com o estresse contínuo e o desgaste emocional que fazem parte dessa rotina intensa, e que requer do profissional que trabalha em UTI desenvolver habilidades de inteligência emocional (soft skils).
Cada dia na UTI é uma batalha para salvar vidas, exigindo comprometimento e resiliência de todos os envolvidos”, comenta Dra. Danielle Souza, médica-veterinária responsável pelo setor de internação e UTI do Hospital Hpet, de Salvador-BA.

ATUALIZAÇÃO CONSTANTE, ALTO CUSTO E IMPACTO EMOCIONAL
“Os principais dilemas e desafios que enfrentamos na rotina de UTI incluem a necessidade de constante atualização tecnológica e capacitação da equipe. Além disso, a manutenção desse serviço tem um custo elevado para o hospital, o que acaba refletindo no custo para o cliente, muitas vezes colocando o tutor do animal de estimação em uma situação delicada, tanto financeiramente quanto emocionalmente.
Outro aspecto importante é o impacto emocional na nossa equipe. Lidar com pacientes em estado crítico diariamente exige um nível elevado de resiliência e preparo emocional. Proporcionar suporte tanto para a equipe quanto para os tutores destes animais se torna parte fundamental do nosso trabalho.
Também enfrentamos desafios na logística de fechar a escala de plantão, considerando que a UTI precisa de atendimento ininterrupto, 24 horas por dia. Manter a equipe completa, enquanto garantimos a qualidade do atendimento, é um constante esforço de planejamento e organização”, afirma Otávio Verlengia, proprietário do Hospital Verlengia, em Campinas-SP.

DIAGNÓSTICO PRECOCE E EQUIPE COESA E EM SINTONIA
“Os principais dilemas são: o diagnóstico precoce do paciente grave e o encaminhamento ou atendimento precoce do paciente doente, pois na maioria das vezes, os pacientes chegam já em estado bem avançado da doença, diminuindo o nosso arsenal de tratamento, já que na medicina veterinária ainda é muito comum os tutores esperarem até o último momento para procurar atendimento de excelência; e ter uma equipe coesa e em sintonia que sabe individualmente o seu papel diante a uma emergência, para otimizar o reestabelecimento da vida do paciente quando o mesmo chega em parada cardiorrespiratória, por exemplo. Talvez essa questão seja o maior dilema no ambiente intensivo, pois o treinamento cíclico é um ponto crucial no atendimento ao paciente critico e nem sempre os médicos-veterinários da equipe estão dispostos a terem um estilo de vida de estudo, atualização e treinamento contínuo”, afirma Dr. Márcio Arantes, sócio proprietário e chefe do setor de cirurgia e de emergências/intensivismo do SOS Hospital Veterinário Gaivotas e da SOS Veterinária 24hs Praia da Costa, de Vila Velha-ES.

PRINCIPAIS DILEMAS E DESAFIOS ENFRENTADOS NA ROTINA DE UMA UTI
“1. Monitoramento e atendimento intensivo: animais em estado crítico exigem monitoramento constante, similar aos pacientes humanos, mas com a dificuldade adicional de não poderem se comunicar verbalmente. A equipe veterinária precisa interpretar sinais sutis de dor ou desconforto, além de realizar exames frequentes para avaliar parâmetros vitais. A rápida intervenção diante de mudanças no quadro clínico é essencial.
2. Manejo de diversas espécies e tamanhos: a UTI veterinária lida com uma grande diversidade de espécies e tamanhos. Cada espécie tem necessidades diferentes, tanto em termos de tratamento quanto de equipamentos, o que torna o manejo muito mais complexo.
3. Controle de dor e conforto: garantir que os animais não estejam sofrendo é um dos maiores desafios na UTI veterinária. O manejo da dor é feito de forma rigorosa, mas a dificuldade em identificar o nível de dor que o animal está sentindo torna essa tarefa ainda mais delicada. Além disso, é preciso garantir que o ambiente seja o mais confortável possível, apesar dos procedimentos invasivos.
4. Decisões éticas e limitações financeiras: um dos maiores dilemas é equilibrar o desejo de prolongar a vida dos pets com as limitações financeiras dos tutores. Tratamentos intensivos em uma UTI veterinária costumam ser caros, e os tutores precisam tomar decisões difíceis sobre continuar ou interromper o tratamento, baseados nas condições econômicas e no prognóstico do pet. Isso também levanta questões éticas sobre até onde avançar com tratamentos invasivos.
5. Comunicação com os tutores: manter os tutores informados de maneira clara e empática é fundamental, mas também desafiador. Muitas vezes, eles estão emocionalmente abalados e têm dificuldade em entender a gravidade do quadro. Explicar o estado clínico do animal, as opções de tratamento e os custos de forma acessível, sem gerar falsas esperanças, requer uma comunicação cuidadosa. A comunicação e o suporte emocional aos tutores são essenciais para garantir que os animais recebam o melhor tratamento possível.
6. Prognósticos incertos: diferente de pacientes humanos, os animais não podem expressar seus sintomas diretamente, o que torna a avaliação do quadro clínico mais complexa e imprecisa. Isso resulta em prognósticos mais incertos, o que complica as decisões tanto para a equipe veterinária quanto para os tutores. Decidir quando interromper um tratamento que não está surtindo efeito, ou discutir a eutanásia, são dilemas éticos difíceis.
7. Eutanásia e qualidade de vida: a UTI veterinária frequentemente enfrenta dilemas envolvendo a qualidade de vida do paciente. Animais em estado crítico podem estar sofrendo, e muitas vezes a equipe veterinária precisa orientar os tutores sobre a opção da eutanásia, caso os tratamentos não estejam surtindo efeito e o prognóstico seja ruim. Essa é uma das decisões mais emocionalmente difíceis tanto para os tutores quanto para os veterinários.
8. Equipe especializada e infraestrutura: uma UTI veterinária precisa de uma equipe altamente especializada, com conhecimento em diversas áreas, como cardiologia, anestesiologia e cuidados intensivos. No entanto, encontrar e manter profissionais qualificados pode ser desafiador, principalmente em regiões onde há menos oferta de especialistas. Além disso, é preciso manter a infraestrutura com equipamentos adequados. Ventiladores, monitores cardíacos, bombas de infusão, etc., requerem investimentos constantes.
9. Controle de infecções: animais internados em UTI, assim como humanos, são mais suscetíveis a infecções. O controle rigoroso da higiene é vital para evitar infecções nosocomiais (adquiridas dentro do ambiente hospitalar). A prevenção de infecções, especialmente em animais com sistemas imunológicos debilitados, é um desafio constante.
10. Gestão de casos críticos e emergenciais: a rotina da UTI é marcada por emergências e casos críticos que exigem rápida intervenção. Muitas vezes, o tratamento precisa ser ajustado rapidamente com base nas mudanças abruptas nos parâmetros vitais do paciente. Gerenciar essa pressão constante e ainda assegurar que todos os pacientes recebam cuidados adequados é um grande desafio”, lista Dr. Emerson Ribas, do Hospital Vet São Manuel, de Presidente Prudente-SP.

FALTA DE ESTRUTURA, BAIXA REMUNERAÇÃO E POUCA CAPACITAÇÃO
“Para os médicos-veterinários aqui da Prontovet os principais desafios da área de intensivismo são:
1- Capacitação em conhecimentos práticos dos profissionais veterinários que atuam no cuidado e terapia dos pacientes críticos;
2- Estruturação física do ambiente de trabalho, equipamentos, acessórios de segurança e conforto;
3- Assessoria técnica com treinamento e capacitação dos auxiliares para assegurar agilidade e efetivação do tratamento emergencial ao paciente;
4- Remuneração digna para quem se dedica a esta área de importância ímpar no controle e preservação da vida”, cita Akel Araujo Cavalcante, clínico cirurgião e oftalmólogo do Prontovet, de Manaus-AM

COMUNICAÇÃO E LUTO DOS TUTORES, TRABALHO EM EQUIPE E LIMITAÇÕES FINANCEIRAS
“Explicar condições complexas e opções de tratamento a tutores angustiados exige sensibilidade e clareza, além de gerenciar suas expectativas. Lidar com a dor dos tutores e o sofrimento do luto. Pode se tornar exaustivo.
Trabalhar de forma coordenada entre veterinários encaminhantes pode ser desafiador se não houver uma boa comunicação e compreensão por parte do mesmo, do direcionamento do tratamento e decisões sobre o caso.
Muitas vezes, os recursos disponíveis não são suficientes para os tratamentos ideais, o que pode levar a decisões difíceis sobre a continuidade do cuidado.
E isso tudo, reflete do nosso próprio psicológico e na nossa exaustão. Sempre buscando o melhor para o paciente, aprendendo e direcionando o que temos de mais importante: nossa dedicação total. Balanceando paciente, tutor, veterinário encaminhante, equipe e nós mesmos” diz Dra. Gabi Nunes, médica-veterinária Intensivista do Hospital São Paulo, de São Paulo-SP.

O MAIOR DESAFIO DE TODOS É TER UM PACIENTE GRAVE EM SUAS MÃOS
“A rotina de uma UTI é bem diferente de uma rotina normal de internação. Isso ocorre porque um paciente de UTI é crítico, ou seja, é um paciente grave, frequentemente com comorbidades, geralmente é acompanhado por diversos profissionais (especialidades) e o mais importante: é uma caixinha de surpresas. Ele pode descompensar em segundos e, portanto, demanda toda a atenção daquela unidade. Cada minuto o quadro pode mudar e precisar de intervenções e decisões que devem ser tomadas naquele momento. Essas decisões podem mudar o curso do paciente no leito. Por tudo isso, para se ter uma UTI, são necessários não somente investimentos em estrutura e equipamentos, mas principalmente, investimento em equipe, que deve ser treinada e especializada na área de terapia intensiva, o que envolve atualizações e muitos estudos. Além disso, essa equipe deve estar treinada a desenvolver resolução de problemas de forma rápida e baseada em evidências científicas, a fim de oferecer o que há de melhor para os pacientes.
Um grande desafio da rotina da UTI é a questão de se ter equipe especializada e treinada e as escalas de trabalho. Um paciente em ventilação mecânica, por exemplo, demanda cuidados de um veterinário e um auxiliar de veterinário por escala de trabalho. Por isso, é necessário se ter uma equipe com escala de sobreaviso, para que seja acionada quando o paciente adentra o leito. Além disso, treinamentos constantes e atualizações são necessárias para lidar com um paciente tão crítico e com sua família, que se encontra em um momento delicado e necessita do suporte do hospital.
Mas o maior desafio de todos é ter um paciente grave em suas mãos, saber que suas decisões e condutas podem mudar drasticamente em minutos a vida daquele paciente. É muito trabalho, muito cansativo, mas a experiência de você estar ali minuto a minuto, fazendo tudo por um paciente e ver sua melhora, não tem preço. É bem gratificante”, aponta Dra. Ana Carolina Berto Galdiano, proprietária e coordenadora do U.T.I VET, de Ribeirão Preto-SP.

ENCONTRAR O EQUILÍBRIO ENTRE TODOS OS ENVOLVIDOS
“O principal dilema é como equilibrar o prognóstico do paciente frente ao amor do tutor e vontade do time de cuidar do paciente. Como desafios, vemos a necessidade de gestão do tempo e de emoções, assim como o cuidado na comunicação. O cuidado com os pacientes e a técnica também são pontos importantes no dia a dia do médico veterinário intensivista.
Contextualizando, dentro de um serviço de UTI, temos sempre casos de alta complexidade em que os pacientes estão em risco de morte. Este fato sempre gera ansiedade não só no tutor, que quer ver a saúde do seu animal reestabelecida, assim como na equipe”, diz Amadeu Neto, Head Técnico do Grupo PetCare, de São Paulo-SP.

ÁREA APAIXONANTE E MUITO DINÂMICA
“O intensivismo é uma especialidade desafiadora, pois exige uma rígida formação e capacidade de decisão imediata. Embora tenha uma grande importância para a sobrevivência dos animais que passam por urgências/emergências, não há um reconhecimento à altura da responsabilidade. O intensivista trabalha sob intensa demanda física e psicológica. O excesso de trabalho/plantões acaba sendo uma realidade para compensar a baixa remuneração e isso impacta diretamente no menor rendimento e na sobrecarga psicológica, levando muitos a sofrer de burnout. É o setor mais sensível nesse tópico de saúde mental, pois você está lidando com situações difíceis, perdas e tutores com o emocional abalado. Os profissionais que persistem e investem em formação adequada na área, para terem melhor remuneração precisam acrescentar no seu trabalho atividades administrativas, o que gera uma sobrecarga de trabalho. Apesar das dificuldades inerentes, a área de intensivismo é apaixonante e muito dinâmica, fazendo com que cada vez mais profissionais se dediquem aos atendimentos de emergência. Existe no Brasil uma carência de profissionais especializados na área, o que gera diminuição na qualidade dos serviços prestados. Definição de protocolos padrão e a permanente supervisão das atividades do setor são essenciais para oferecer serviços à altura do que a sociedade espera de nós”, pontua Dr. Marcelo Teixeira, fundador e chefe da cirurgia do Hospital Veterinário Harmonia, de Recife-PE.

OFERECER MELHORES DESFECHOS AOS PACIENTES
“Um dilema importante que observo na minha rotina de UTI é a compreensão, tanto de algumas famílias quanto de colegas veterinários, sobre o valor prognóstico da intervenção precoce. Existe uma ideia comum de que, para estar na UTI, o paciente deve estar em estado crítico, com poucas chances de recuperação. Embora isso possa ocorrer, a proposta da intervenção precoce na terapia intensiva é oferecer melhores desfechos nas admissões. Diversos fatores devem ser levados em conta, como a disponibilidade de recursos, a cultura familiar e a condição do animal, mas, em geral, qualquer paciente com disfunção orgânica grave, que é diferente de disfunção diagnosticada tardiamente, deve ser considerado para um leito de UTI. Infelizmente, muitos pacientes chegam tarde para o suporte intensivo, resultando em perdas que poderiam ser evitadas.
Outro ponto comum entre os veterinários é a crença de que abordagens mais invasivas são sempre mais eficazes. No entanto, isso não é verdade em muitos casos. Embora mais informações obtidas por meio de monitoramento possam representar melhores ferramentas para a tomada de decisões, isso não deve ocorrer aos custos de prejuízo à evolução do paciente. Muitos exames e procedimentos podem ser benéficos, mas nem sempre são adequados para um paciente específico em determinado momento. Não faz sentido realizá-los apenas para sustentar a ideia de que o suporte na UTI é ‘avançado’”, revela Dr. Victor Bezerra Santos, intensivista do Hospital Veterinário Estimma, de Campinas-SP.

DECISÕES TERAPÊUTICAS EFICIENTES, GERENCIAMENTO DE RECURSOS E APOIO ÀS FAMÍLIAS
“Acompanhado do ímpeto de resolver casos graves, otimizar protocolos e condutas técnicas, o médico-veterinário intensivista carrega com ele dilemas e desafios diários dentro de um ambiente de alta complexidade. Dentre os vários desafios, a complexidade clínica é sem dúvidas o maior deles. A instabilidade e gravidade dos doentes faz com que seja necessário a monitorização contínua e tomada de decisão imediata. As decisões terapêuticas eficientes, o gerenciamento de recursos e apoio às famílias dos pacientes faz com que o intensivista tenha uma responsabilidade muito grande no seu dia a dia.
No entanto, com mais de 10 anos atuando na área, como docente em instituições de ensino, consultoria e treinamento em hospitais veterinários, vejo que a sobrecarga de trabalho e a exaustão psicológica são fatores que devem ser observados de perto com esses profissionais que trabalham a beira-leito. Mesmo com altos e baixos de qualquer especialidade, os desafios atribuídos à medicina intensiva, a torna uma das áreas mais encantadoras de atuação; afinal, resgatar a felicidade da família, dar esperança e suporte de alto nível aos doentes hospitalizados é sem dúvida, nossa maior recompensa”, aponta Dr. Luciano Cacciari, da Clinvet, de Santos-SP.

A GARANTIA DE ALIVIAR O SOFRIMENTO É O QUE NOS MOTIVA
“Na UTI nos deparamos com diagnósticos desafi adores. Pacientes graves em que cada minuto conta. Pacientes em fase terminal com doenças incuráveis ou até mesmo intubados, necessitando de suporte ventilatório específico. E o intensivista precisa estar conectado com cada caso. A equipe deve ser multidisciplinar, pois temos pacientes com várias comorbidades que exige matenção total. É preciso ter conhecimento técnico para tomar decisões rápidas e assertivas. Ser humanizado, pois há uma família aflita que precisa de acolhimento e orientação. Ser capaz de compreender todos os recursos que a medicina oferece, pois é nosso dever dispor de toda e qualquer ferramenta que possa minimizar o quadro do paciente. Ter resiliência para lidar com as perdas, pois cada uma delas marca nossa trajetória. Compreender que a dor do luto pode ser devastadora, mas devemos acalentar com boas palavras e demonstrar nosso profundo respeito.
O médico-veterinário precisa de conversas e treinamentos sobre autocuidado e gerenciamento emocional, pois a pressão da rotina, a busca incessante por oferecer o melhor aos pacientes e a vivência das perdas, pode ser desafiadora, e somente um contexto saudável é capaz de nos fazer compreender a importância do nosso papel e o quanto o trabalho do intensivista salva vidas. Em alguns casos, a partida é inevitável, no entanto, a garantia de aliviar o sofrimento é o que nos motiva”, diz Jaqueline Bastos de Andrade, intensivista e do Vet Popular, de São Paulo-SP.

UMA ROTINA COMPLEXA E EXIGENTE
“Nossa rotina de UTI é extremamente desafiadora, não apenas pela alta exigência técnica, mas também pela carga emocional e ética envolvida. As decisões sobre intervenções precisam ser rápidas e eficazes, sempre baseadas em evidências científicas e considerando a gravidade do quadro e a resposta à terapia. O ambiente de terapia intensiva exige monitoramento constante dos parâmetros vitais, fluidoterapia, suporte respiratório e outros cuidados essenciais, tudo realizado 24 horas por dia. A necessidade de precisão e vigilância contínua, somada ao atendimento de múltiplos pacientes críticos, aumenta significativamente o nível de responsabilidade da equipe. Com o avanço constante das técnicas e equipamentos, manter-se atualizado com as melhores práticas da medicina intensiva é fundamental. No entanto, essa atualização pode ser desafiadora, não apenas pelo aspecto técnico, mas também pelos custos elevados de implementação e manutenção de novos equipamentos, que muitas vezes se tornam onerosos aos tutores. Outro dilema é a comunicação com os tutores. Explicar a gravidade da situação e as opções de tratamento com clareza e sensibilidade é crucial. A comunicação deve ser precisa, para que compreendam as limitações, os riscos envolvidos e, muitas vezes, a ausência de um prognóstico favorável. Além dos desafios técnicos, a equipe multidisciplinar da UTI enfrenta uma grande carga emocional ao lidar com animais em estado crítico. As perdas frequentes e o sofrimento dos tutores podem levar ao esgotamento profissional e emocional. O equilíbrio entre a ciência e a sensibilidade, entre o cuidado intensivo e o apoio emocional, torna a rotina de uma UTI complexa e exigente”, diz Stella R. Borges Jagnow, da Pet Support, de Porto Alegre-RS.

TREINAMENTO, SUPORTE E EMPATIA
“A equipe médica dos cuidados intensivos é treinada regularmente no Pet Dream. Além disso, o suporte ventilatório, o ambiente especializado e equipado com tecnologia avançada e os procedimentos de suporte vital, garantem que o paciente receba o tratamento indicado o mais rápido possível. A rotina em uma UTI veterinária ainda vai além da experiência da equipe médica e o aparato tecnológico, sendo um dos maiores desafios a comunicação com a família do paciente, que em sua maioria fica angustiada e envolvida com as emoções de ter seu ‘filho’ fora de casa. Nós somos referência, além dos cuidados de alta complexidade, em oferecer um atendimento humanizado, que não trata apenas da saúde física dos pacientes, mas também do apoio psicológico aos tutores, considerando as necessidades de ambos. Toda a equipe de colaboradores do hospital, do recepcionista ao médico-veterinário, é treinada para ver o paciente não apenas como um animal doente, mas como o amor da vida de alguém sob nossa responsabilidade, atendendo a família com empatia, confortando em todos os momentos e entendendo que nada substitui o apoio e a sensibilidade humana que um bom hospital veterinário pode oferecer”, aponta Dr. Bruce Lins Ferreira da Silva, do Pet Dream, de Recife-PE.